
Um estudo revelou que os casos de doença de Parkinson podem dobrar nos próximos 20 anos no Brasil. Conforme o levantamento, a falta de diagnóstico nos estágios iniciais da enfermidade e o acesso limitado a especialistas em várias regiões do país colaboram para o cenário pessimista.
A pesquisa foi elaborada por pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O material foi publicado na revista científica The Lancet Regional Health – Americas e está disponível neste link.
Com base em dados do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil) – levantamento sobre o envelhecimento no país realizado pelo Ministério da Saúde –, a pesquisa mostrou que mais de 500 mil brasileiros com 50 anos ou mais convivem atualmente com Parkinson.
Um total de 9.881 entrevistados foi incluído no estudo, sendo que 93 pessoas relataram um diagnóstico médico da doença. As conclusões mostram que o número de casos pode chegar a 1 milhão em 2046 e ultrapassar 1,2 milhão até 2060.
— Precisamos ter políticas públicas voltadas para essa população e estar preparados para essa onda de pacientes com Parkinson que vai acabar vindo — alerta o médico Artur Francisco Schumacher Schuh, um dos autores da pesquisa.
Por sua vez, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que aproximadamente 1% da população mundial acima dos 65 anos viva com a enfermidade. A OMS calcula ainda que esse número pode dobrar até 2040. Atualmente, há em torno de 4 milhões de pessoas no mundo com Parkinson.
Falhas na detecção
Artur Francisco Schumacher Schuh, que também é chefe do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor do Departamento de Farmacologia (ICBS/UFRGS), aponta que os casos identificados estão em fases avançadas, o que indica falhas na detecção precoce da enfermidade:
— A prevalência que observamos neste estudo foi mais baixa do que esperávamos, mas isso também se deve a uma limitação do próprio estudo, que se baseou no relato do paciente sobre ter ou não Parkinson. Pode ser que haja algum sub-relato, alguém que tenha sido diagnosticado, mas que não tenha informado isso. Nos estágios iniciais, a doença é mais difícil de diagnosticar, por isso o número pode ter sido mais baixo. A pesquisa também não incluiu pessoas institucionalizadas, o que poderia elevar um pouco mais o resultado.
Questionado se a pesquisa pôde constatar onde faltam especialistas em Parkinson no Rio Grande do Sul, Schuh afirmou que esse não era o objetivo do estudo, mas sim verificar a prevalência do Parkinson no Brasil, a distribuição geográfica, as características clínicas, além de tentar fazer uma projeção para os próximos anos.
— Esperamos um aumento de 20 mil casos por ano até 2060 — alertou o médico.
Além disso, o estudo apontou a necessidade de melhorias na precisão do diagnóstico, na acessibilidade a neurologistas e em estratégias abrangentes de saúde pública para o tratamento da doença no país.
— Este é o primeiro estudo nacional de prevalência do Parkinson. Uma coisa supersimples, que é saber quantas pessoas com Parkinson existem. E a gente não tem esse número no Brasil — resume o médico.
Crescimento de casos entre os jovens
A presidente da Associação de Parkinson do Rio Grande do Sul (APARS), Neusa Chardosin, afirma que o cenário atual da doença preocupa, ressaltando que ela não pode mais ser considerada uma enfermidade rara.
— Tem aumentado muito o número de casos, principalmente de Parkinson precoce. Antigamente, era considerada uma doença do envelhecimento, a partir dos 60 anos. Hoje, já não é mais — atesta Neusa Chardosin.
Segundo a presidente da APARS, na época em que a Lei Estadual nº 15.623, de 13 de maio de 2021 – que estabelece as diretrizes para uma política de atenção integral às pessoas com doença de Parkinson, promovendo um tratamento multidisciplinar e humanizado – estava para ser aprovada, o cadastro de pessoas com Parkinson na Secretaria Estadual da Saúde (SES) continha menos nomes do que o da Associação.
— Nós temos, na Associação, 219 associados cadastrados. No Rio Grande do Sul, não há mapeamento. Temos um projeto de fazer o mapeamento nas cidades maiores e tentar cadastrar os pacientes com Parkinson. Mas temos visto que o número tem aumentado muito mesmo — observa
Em relação à falta de especialistas no país e às falhas nos diagnósticos, essas situações também foram identificadas pela APARS.
— Muitas vezes, o diagnóstico é feito de forma muito tardia. O paciente é tratado por depressão, mas já tem Parkinson. É tratado por dores na coluna, e já era o Parkinson agindo — explica Neusa, que acrescenta:
— Se o diagnóstico é feito precocemente, o paciente até consegue, por meio de atividades como fisioterapia, fonoaudiologia e muito exercício físico, manter-se bem por mais tempo. A gente tem até um ditado: "O paciente não morre de Parkinson, ele morre com Parkinson".
A APARS realiza um mutirão para cadastrar os pacientes da própria associação com Parkinson. Dessa forma, essas pessoas terão direito ao tratamento multidisciplinar nos postos de saúde, de forma gratuita, conforme previsto pela legislação. Mais informações disponíveis neste link.
O que diz a Secretaria Municipal da Saúde
A prefeitura registrou, nos últimos dois anos, um aumento no número de atendimentos a pessoas com Parkinson na Capital.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a média mensal em 2023 era de 34 consultas, sendo que os meses de abril (44 agendamentos), agosto (42) e dezembro (40) indicaram alguns picos de atendimento. No total, houve 1.583 atendimentos e 779 pacientes atendidos no período.
Já no ano seguinte, a média subiu para 37 consultas, com destaque para os meses de abril (47), agosto (47) e novembro (53), que apresentaram os maiores volumes de atendimentos – totalizando 1.833 atendimentos e 903 pessoas atendidas.
Em 2025 (até abril), a média parcial está em 34 consultas por mês, igual à de 2023. Até o momento, ocorreram 533 atendimentos e 371 cidadãos atendidos.
“Ainda é cedo para avaliar a tendência anual, mas os números sugerem uma leve retração em relação a 2024. Janeiro (46) foi o mês com maior volume de agendamentos neste início de ano”, diz a nota da SMS.
A pasta aponta que "os dados parciais de 2025 já representam cerca de 29% dos atendimentos totais de 2024, o que pode indicar uma manutenção do ritmo ou eventual redução, dependendo do comportamento nos próximos meses."
O que diz a Secretaria Estadual da Saúde
A reportagem de Zero Hora questionou a Secretaria Estadual da Saúde (SES) se ocorre falta de diagnósticos sobre a doença de Parkinson no Estado. Também perguntou onde estariam faltando especialistas e o que poderia ser feito a respeito. A SES respondeu que não tinha tais informações.
O que diz o Ministério da Saúde
Questionado sobre os valores investidos no tratamento da doença de Parkinson no Brasil e acerca dos dados atualizados da enfermidade, o ministério informou, por meio de nota:
“Entre 2023 e 2025, o SUS registrou 59.052.255 atendimentos ambulatoriais relacionados à doença de Parkinson em 2023; 62.162.777 em 2024; e 10.701.601 procedimentos nos dois primeiros meses de 2025.”
Além disso, a pasta também aponta que o SUS oferece assistência integral à saúde neurológica por meio da Política Nacional de Atenção ao Portador de Doença Neurológica, além do tratamento, que inclui abordagem medicamentosa, cirúrgica e suporte multiprofissional.