Conhecidas popularmente como Ozempic, as chamadas "canetas emagrecedoras" viraram febre no Brasil como alternativa de emagrecimento supostamente fácil.
Novos produtos têm sido lançados. WeGovy, Saxenda, Victoza, Mounjaro e Zepbound (os últimos dois ainda não disponíveis no país) são alguns dos outros nomes comerciais sob os quais os medicamentos podem ser encontrados.
Neste ano, o Brasil deve ter ampliada ainda mais sua cartela de opções com o lançamento de medicamentos nacionais.
As novidades, somadas à recente proposição de mudança de critérios de diagnóstico da obesidade, dão nova dimensão ao debate em torno do uso das canetas, visto que as mudanças podem afetar o número de diagnósticos e, consequentemente, a população indicada a receber os remédios. Essas medicações trazem benefícios e perda de peso que, em alguns casos, se assemelham aos resultados de uma cirurgia bariátrica.
Para quem as canetas são indicadas?
As canetas são indicadas e aprovadas para pacientes que convivem com diabetes ou obesidade (com Índice de Massa Corporal — IMC acima de 30, que não obtiveram sucesso em seus esforços de mudança de vida, ou acima de 27, caracterizando sobrepeso com complicações associadas ao excesso de peso), conforme a indicação de cada bula.
O que se observa, entretanto, é uma ampla expansão do uso off-label — ou seja, fora da aprovação e das prescrições da bula — por pessoas que desejam perder peso. Justamente para evitar estigmas e a associação com esse conceito, o termo "canetas emagrecedoras" desagrada aos médicos, que preferem a expressão "tratamentos antiobesidade".
— Tem gente usando essas medicações para perder peso transitoriamente porque tem algum evento como casamento ou formatura. Não acho que seja saudável. Tem vários estudos sugerindo isso — avalia Fernando Gerchman, endocrinologista no Hospital Moinhos de Vento e no Hospital de Clínicas e diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
Como as canetas funcionam
Os medicamentos imitam hormônios produzidos pelo trato gastrointestinal, ativando receptores para essas substâncias. Isso gera efeitos como redução do apetite, melhora da sensação de saciedade e retardamento do esvaziamento do estômago, provocando sensação de plenitude prolongada.
A ação ocorre via mecanismo central (no centro regulador cerebral do apetite, no hipotálamo) e por via periférica, no trato gastrointestinal. São esses efeitos que resultam na redução de peso e auxiliam na compulsão alimentar.
Os remédios influenciam, ainda, o controle glicêmico e o gasto metabólico. Além disso, trazem efeitos cardiovasculares positivos, com redução de eventos como infarto, derrame e insuficiência cardíaca.
Os princípios ativos liraglutida (das marcas Saxenda e Victoza) e semaglutida (Ozempic e WeGovy) são agonistas do hormônio GLP-1 (glucagon-like peptide-1), ou seja, são substâncias semelhantes ao hormônio gastrointestinal.
Já a tirzepatida (Mounjaro e Zepbound) funciona como um agonista duplo, ativando dois peptídeos gastrointestinais: GIP (peptídeo inibidor gástrico) e GLP-1, que são essenciais para o controle de glicose e regulação do apetite. Novos estudos, com retatrutida, prometem uma potencialização dos efeitos com medicamentos que agem em mais peptídeos.
Atenção aos resultados
A redução da gordura corporal com o uso dos medicamentos varia entre 8% e 20,9%, de acordo com a formulação e a dose. Como em qualquer patologia, nem todos os pacientes terão resposta eficaz ao tratamento, como mostram os estudos. E nos casos em que há eficácia, a resposta varia para cada um, podendo ser maior ou menor.
O motivo pode estar relacionado a doses não adequadas, à genética e a outras questões envolvidas na obesidade, como estado mental e fome emocional, explica Carolina Leães Rech, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia — Regional RS (SBEM-RS) e chefe do serviço de Endocrinologia da Santa Casa de Porto Alegre. Mudanças de estilo de vida também influenciam a taxa de resposta.
Do mesmo modo, a eficácia dos medicamentos pode variar para pessoas saudáveis. Não há, contudo, estudos para esse grupo, já que não são o público-alvo dos medicamentos. Pelo mesmo motivo, não existem indicações ou diretrizes gerais de uso, nem há como estimar a perda de peso, que também depende das doses utilizadas.
— Não podemos extrapolar isso necessariamente para a população, como se um paciente que não convivesse com obesidade nem diabetes fosse ter os mesmos benefícios do uso da medicação — alerta Carolina, que também é professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Preços podem cair
Em 2025, devido ao fim da patente da liraglutida, o Brasil deve ganhar pelo menos duas novas opções de canetas, que serão lançadas pela EMS. Os medicamentos receberam aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro. A Cimed também indicou que deve começar a produzir um medicamento em breve, sem fornecer detalhes.
As novidades contribuirão para aumentar as opções de tratamento. Hoje, há escassez nas farmácias devido à procura desenfreada por pessoas que buscam mudanças estéticas.
A expectativa é de que a quebra de patentes, com a consequente chegada ao mercado de genéricos, inclusive nacionais, também possibilite a redução de custos e facilite o acesso aos medicamentos, que chegam a custar em torno de R$ 1 mil por caneta. Carolina Rech avalia que, ainda assim, os custos continuarão elevados, dificultando uma grande ampliação do acesso.
Fernando Gerchman acredita que uma eventual massificação do uso não deve ocorrer para o público-alvo indicado em bula, entre outros motivos, pelo descaso em relação à obesidade, que resulta em falta de atenção e importância tanto por parte de alguns médicos quanto de pacientes e familiares.
Apenas uma pequena parcela de indivíduos que necessitam dos medicamentos para o tratamento recebe indicação — e muitos não têm (e não terão) acesso devido ao custo, complementa Carolina. Além disso, não há medicação disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). Gerchman aponta:
— É só uma pequena fração que vai ser exposta à possibilidade de ser tratada. Uma fração menor ainda será tratada com medicação, porque tem o estigma de que pode fazer mal. E aí não são oferecidos tratamentos. No Brasil, menos de 1% das pessoas que têm indicação formal de uso de medicações para obesidade estão em uso.
Para quem tem condições financeiras, (o uso destes medicamentos) já está massificado. E acho que será ainda mais
FERNANDO GERCHMAN
Diretor da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica
Quanto à utilização por parte da população em geral, ele ressalta que já é massificada — o que encara como problemático, considerando que muitas pessoas não terão acompanhamento adequado para um medicamento com efeitos adversos. A professora da UFCSPA também acredita que o abuso dos remédios deve aumentar, dificultando ainda mais o acesso para pacientes que necessitam dele.
O médico do Moinhos de Vento e do Clínicas salienta:
— Para quem tem condições financeiras, isso já está massificado. E acho que será ainda mais.
Cautela no uso
Para quem adere ao tratamento, há riscos e efeitos colaterais, principalmente gastrointestinais, segundo os especialistas:
- Náusea
- Refluxo gastroesofágico
- Diarreia ou constipação
- Desconforto abdominal
- Distensão abdominal
- Risco aumentado de cálculo de vesícula biliar e em vias biliares
- Complicações de efeitos colaterais, como hemorroida ou fissuras anais, associados à disfunção do trato gastrointestinal
- Entre outros
Além disso, se uma pessoa com peso saudável perder uma porcentagem importante de peso, como 10% ou 15%, pode ficar desnutrida, alerta Gerchman.
Durante o tratamento, é recomendado realizar o acompanhamento clínico. Não há recomendações de exames específicos, apenas em casos de efeitos colaterais ou de necessidade individual do paciente, visto que as medicações são seguras, garantem os especialistas.
— Se a pessoa quer perder três quilos para ir ao casamento de alguém, tem de pensar bem se vale esse risco. Então, é uma questão com a qual temos de ter muita cautela. Essas medicações são aprovadas para uso em quem tem obesidade — frisa Gerchman, que atua ainda como professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Carolina também defende cautela na busca por essa opção. É importante que isso ocorra motivado por saúde, e não apenas por estética, abrindo mão, muitas vezes, justamente da saúde, salienta a médica.
O uso indevido (desse tipo de medicamento) nos preocupa bastante
CAROLINA LEÃES RECH
Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia — Regional RS
Dependência psicológica
A grande preocupação dos especialistas se dá em relação ao desenvolvimento de dependência psicológica em pacientes sem obesidade ou diabetes. Eventualmente, eles podem acabar atingindo um status corporal não realista, que não conseguiriam manter sem os medicamentos, o que faz com que cada vez mais procurem os produtos. Isso resulta em um ciclo de abuso dos medicamentos antiobesidade por quem não necessita.
— O uso indevido nos preocupa bastante. Infelizmente, ele é comprado sem receita, mas deveria ser usado com acompanhamento médico e especializado para que o paciente possa ter os melhores benefícios, com as indicações, menos efeitos colaterais, uma progressão de dose e uma adaptação do tratamento para o seu subtipo corporal também — alerta a presidente da SBEM-RS.
A endocrinologista reforça que os médicos podem indicar o tipo de intervenção mais adequada, com segurança, abordando o aspecto psicoemocional para evitar a dependência.
Os especialistas lembram que existem outras alternativas para quem deseja perder peso. Uma avaliação de mudança do estilo de vida pode ser benéfica — muitas vezes, pequenos montantes são atingidos com reestruturação e adoção de hábitos mais saudáveis, com menos alimentos ultraprocessados, lembra a professora da UFCSPA.
Mudanças de estilo de vida
As canetas com soluções injetáveis levam à perda de peso, mas a recomendação médica é que sejam acompanhadas de mudanças de estilo de vida para que o tratamento seja eficaz. Carolina lembra que os estudos foram conduzidos com essa orientação aos pacientes. Além disso, o tratamento é mais amplo do que apenas o uso da medicação.
— Isso é o preconizado. Não se deve usar medicamentos isoladamente sem buscar essa questão da melhora do estilo de vida, de adoção de hábitos mais saudáveis, que vão incluir não só a questão alimentar e atividade física, mas a melhora da higiene do sono, o manejo do estresse crônico — ressalta Carolina.
Gerchman concorda:
— Tem estudos com essas medicações mostrando que quando mudanças de vida são associadas, isso potencializa o efeito da perda de peso. Esse é o cenário ideal.
Embora o uso tenha se alastrado, o medicamento não deve ser administrado indiscriminadamente, alertam os médicos. Se uma pessoa está pensando em começar, o primeiro passo é procurar a avaliação de um médico endocrinologista para entender se há indicação e buscar orientações.
Há contraindicações, como no caso de grávidas e pacientes com histórico familiar de câncer medular de tireoide, neoplasia endócrina múltipla, gastroparesia e pancreatite.