Exausta, Sara Corrêa de Albuquerque, 35 anos, está ajoelhada sobre o leito, mãos e cabeça apoiadas no encosto. Aperta com força a mão do marido, Thomas Medeiros de Albuquerque, 32, de pé ao lado da cabeceira. No pico lancinante de uma contração, o grito é abafado por uma mordida que dá nele. Isabella, a primeira filha do casal, nascerá em minutos.
A alternância de sensações extremas — medo, agonia, alívio — que atordoa a parturiente enrolada em um lençol se dá sob um céu com lua, estrelas e nuvens em movimento. Um projetor de LED no canto da sala aquecida e escura colore o teto, e pequenos pontos verdes pintam o uniforme dos seis profissionais que se revezam na assistência. Desde o início de julho, o centro obstétrico da Maternidade Mário Totta da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre incrementa o acolhimento às gestantes com essa iniciativa singela e emocionante da equipe de enfermagem.
O casal chegou por volta das 3h30min da terça-feira (12), e a reportagem de GZH acompanhou a última hora do trabalho de parto. Livre para escolher a posição em que se sentia mais confortável, Sara experimentou ficar de pé, de cócoras sobre a banqueta no chão, deitada ou em quatro apoios — a chamada posição de Gaskin, descrita no começo do texto. A lanterna de um celular auxilia no manuseio do doppler fetal para monitorar os batimentos cardíacos do bebê, que se misturam à música ambiente. “Você é assim / Um sonho pra mim”, cantam os Tribalistas em Velha Infância.
— Ai, meu Deus! Me ajuda! Vai demorar ainda? — fala Sara, provocando o riso geral ao pedir o frasco de desodorante que trouxe na bolsa por não aguentar o cheiro das axilas. — Fedida não! — justifica.
A nutricionista deita para ser examinada.
— Diz que tem 10, por favor — suplica ela, referindo-se à medida da dilatação total do colo do útero.
Confirmado.
— Na próxima contração, se você quiser, pode começar a empurrar. É uma força de fazer cocô, lá embaixo — orienta uma das profissionais.
A paciente se acomoda na postura final, com quatro apoios.
— Pode ser assim? — pergunta Sara, resfolegando após mais um grito.
— Pode ser do jeito que você quiser — responde alguém, mensagem que é reforçada repetidas vezes.
Toca Um Anjo do Céu, da banda Maskavo: “Um anjo do céu / Que trouxe pra mim / É a mais bonita / A joia perfeita / Que é pra eu cuidar / Que é pra eu amar / Gota cristalina / Tem toda inocência”. Informam a parturiente sobre a proximidade do “círculo de fogo”, sensações que tomam a região da vagina e do ânus:
— Vai doer muito, vai dar vontade de parar de fazer força para parar de doer, vai arder, mas tem que continuar.
Um urro potente, que parece infindável, precede o momento em que a cabeça de Isabella desponta. São 9h49min. Em um instante, mãe e filha se olham pela primeira vez.
— Você é muito linda, meu amor. Você é uma querida, Isabella! Você é o meu presente. Eu não acredito, parece um sonho — emociona-se Sara. — Dá para beijar? — questiona ela, liberada para “fazer o que quiser” com o nenê.
— É a minha cara — intervém Thomas, engenheiro eletricista que logo pega o telefone para contatar a família.
Contato pele a pele por uma hora
Sara se deita e acomoda Isabella nos braços, junto ao peito. Terá uma hora de contato pele a pele antes dos exames na recém-nascida — é a golden hour, hora dourada, os primeiros 60 minutos de vida do bebê. A mãe está visivelmente relaxada e comemora a ação da ocitocina, conhecida como o hormônio do amor, e quer saber se sentirá dor outra vez. A equipe se concentra nos procedimentos finais, retirando a placenta e realizando uma pequena sutura. Os lençóis ensopados de sangue e outros fluidos são recolhidos.
A paciente foi atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pois ainda estava no período de carência do convênio contratado. Conta ter se admirado com o cenário inusitado na sala de parto e com a recepção. Esperava um boxe simples com divisórias, não o aconchego da penumbra colorida.
— Nos surpreendeu. Com certeza, em um momento em que você está tão vulnerável, com tanta dor, isso faz diferença — relata, apertando o bico dos seios em busca de leite, encantada com as “vozes de anjos” que a guiaram no processo.
Enfermeira obstetra, Aline Podlasnisky Santos diz que o uso da cromoterapia é explicado à gestante na chegada. Com nove centímetros de dilatação, Sara pediu um analgésico, que reduziu a intensidade da dor, sem prejuízo à percepção das contrações. Alternativas não medicamentosas foram oferecidas no decorrer das horas para o conforto da paciente. O aparelho eletrônico que projeta o céu estrelado permite selecionar cores diferentes.
— Perguntamos o que a Sara estava sentindo e do que precisava. Ela disse que estava muito cansada e precisava descansar. Então escolhemos o lilás — explica Aline, acrescentando que o vermelho ajuda a estimular as contrações e o verde proporciona calma e redução da dor.
A novidade deverá ser implementada em breve nas demais salas, incluindo as cirúrgicas, onde são conduzidas as cesarianas. Fabrício da Cunha Moraes, enfermeiro obstetra e supervisor do centro, ressalta que boas práticas, como a musicoterapia e a cromoterapia, são foco permanente do time de enfermagem da obstetrícia. O enfermeiro frisa que o protagonismo é da parturiente, que decide como deseja dar à luz.
— O parto é da mulher — resume Moraes.
Em média, a Maternidade Mário Totta registra 12 nascimentos diários, entre partos vaginais e cesáreas. Isabella Corrêa Medeiros de Albuquerque nasceu com 39 semanas e dois dias de gestação, 3,1 quilos e 47,5 centímetros. De parto normal, conforme o desejo da mãe.