Por Stephen Stefani
Oncologista
Pesquisas realizadas nos últimos anos revolucionaram o conhecimento sobre o câncer. Graças a isso, compreendeu-se que essa doença é muito heterogênea e avançou-se na definição das características moleculares que a diferenciam. Ou seja, câncer não é uma doença só, mesmo com características comuns; são centenas e centenas de doenças diferentes.
Com base nesses achados, foi possível avançar no que se chama de “medicina de precisão”, ou medicina com tratamentos direcionados a alvos moleculares específicos conhecidos. Mas, embora muitos desses tratamentos tenham sido testados e aprovados, ainda não são aplicados na prática clínica diária e está sendo criada uma lacuna significativa no acesso a esses medicamentos de precisão. No sistema público, ancorado por um modelo de pagamento fixo que independe do que se usa, ou no sistema privado, também sufocado pela incapacidade de viabilizar cálculos de mensalidades acessíveis ao consumidor, qualquer incorporação de tecnologia de alto custo é uma jornada improvável. Não se consegue efetivamente prescrever alguns tratamentos para a maioria das pessoas que podem se beneficiar, pela inviabilidade de acesso. Surgem, então, inusitadas terapias que, apesar de consistentes, no mundo real não existem!
Em artigo que publicamos recentemente na revista Nature, reunindo médicos e cientistas especialistas em câncer de vários países, foram apresentadas e discutidas essas desigualdades existentes entre o desenvolvimento de novos tratamentos e sua aplicação real aos pacientes.
Muitos desses novos medicamentos têm aprovação regulatória e estão até disponíveis comercialmente, mas, como são direcionados a grupos muito específicos de pacientes, dependendo do perfil molecular do tumor, os custos podem ultrapassar R$ 50 mil por mês! Esse impasse é global, mesmo para países ricos e com orçamento relevante alocado para inovações. Da mesma forma que o dinheiro não pode ser impeditivo para que pacientes recebam seu tratamento, o mundo real cria a necessidade de termos uma agenda que consiga libertar recursos mal usados para poder investir nesses avanços.
É necessário realizar uma mudança no modelo assistencial e que o paciente se torne verdadeiramente o centro do cuidado. Precisamos de uma reengenharia científica, desde o financiamento da pesquisa, com a relação comercial transparente e equilibrada entre investidores e indústrias da saúde, um modelo regulatório responsável e uma formação profissional adequada aos novos tempos. Precisamos que os dados científicos trafeguem com mais facilidade, para aproveitamento ágil de toda experiência dos diferentes atores do sistema de saúde, como entidades reguladoras ou órgãos financiadores, para reduzir as discrepâncias entre as recomendações das diretrizes da prática clínica e o acesso real a uma tecnologia ou medicamento. Essa lacuna existente gera frustração nos pacientes e nos médicos, quando veem que uma intervenção preconizada não está realmente disponível devido ao problema de acesso.
A publicação destaca, ainda, a importância de ajudar os pacientes a aprender a relevância dessas áreas para capacitá-los para exigir mudanças e disponibilidade a essas novas tecnologias e para poder decidir sobre seus próprios dados. Com todas essas ações, o esforço realizado na pesquisa pode se traduzir na prática clínica real de forma mais efetiva e precoce, o que resulta na melhora dos resultados dos pacientes com câncer.