Mais de 20 anos se passaram desde a Reforma Psiquiátrica no Brasil, também conhecida como Lei Antimanicomial. Instituída em 2001, a medida garante ações com foco na defesa dos direitos humanos de populações vulneráveis. A necessidade de uma lei de proteção surgiu através de denúncias em massa em 1978, que alegavam condições precárias em boa parte dos hospitais psiquiátricos no país operados por profissionais da Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam), órgão vinculado ao Ministério da Saúde.
Desde então, diversas mudanças foram implementadas, como a substituição de tratamentos violentos por atendimentos humanizados e a promoção de mudanças no imaginário social sobre a saúde mental.
Apesar destes avanços, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Dr. Eduardo Neubarth Trindade, alerta que o Estado ainda sofre com a falta de assistência as pessoas que possuem transtornos mentais ou problemas e necessidades em decorrência do uso de drogas. Atualmente, o Rio Grande do Sul lida com um déficit de cerca de 2 mil leitos psiquiátricos, segundo Trindade.
— O Estado tem um déficit muito grande de leitos psiquiátricos. Tivemos um aumento exponencial de dependentes químicos que, muitas vezes, precisam de uma internação por um longo período — afirma.
A reforma psiquiátrica trouxe como principal mudança a transição dos cuidados de hospitais psiquiátricos para serviços no território, com os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como referência, onde ofertam acolhimento e tratamento à pessoa com transtorno mental e seus familiares.
— Os Centros de Atenção Psicossocial têm uma função extremamente importante, mas muitas vezes existe a necessidade de internação dos pacientes. Dessa forma, é necessário que aconteça a internação em um hospital especializado — reflete.
Em conversa Trindade expressa preocupação com os riscos e os impactos sociais causados pelo fechamento destas instituições. Como a Resolução CNJ nº 487/2023 prevê o fechamento progressivo de Hospitais de Custódia, os últimos debates sobre o assunto têm gerado discussão entre gestores da área da saúde mental e o Poder Judiciário.
— Não podemos demonizar hospitais psiquiátricos, pois cada vez mais precisamos desses leitos de internação. Essa resolução é extremamente equivocada, pois estes pacientes psiquiátricos que cometem crimes e estão nesses hospitais de custódia, por exemplo, precisam de um atendimento especializado e não devem ser atendidos no CAPS — aponta.
Por outro lado, defensores do fechamento argumentam que os hospitais de custódia frequentemente apresentam condições precárias. Dessa forma, o modelo territorial promovido pelos CAPS fortalece o vínculo dos pacientes com a comunidade, garantindo maior reintegração social e respeito aos direitos humanos.
O presidente do Cremers alerta que pacientes com transtornos mentais graves e histórico de delitos, a que se refere a Resolução 487, apresentam alta periculosidade, o que exige acompanhamento de equipes especializadas, como as presentes em hospitais psiquiátricos de custódia. Sem essa estrutura, o risco de evolução das internações é muito alto, afirma o presidente do Cremers.
Atualmente, o Rio Grande do Sul possui 3.020 leitos psiquiátricos, sendo 1.781 vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme dados de 2024 apresentados pelo Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers). Esses números estão longe de atender a demanda ideal, ressalta Trindade.
— Defendemos que o poder público estabeleça um modelo adequado de assistência, sem uma norma que demonize os hospitais psiquiátrico-forenses. É preciso investir em estruturas modernas e adequadas para garantir o atendimento de qualidade — finaliza.
O debate sobre o futuro dos hospitais psiquiátricos no Brasil segue em aberto, envolvendo gestores de saúde, profissionais médicos e o Poder Judiciário.