A paralisação da produção de alguns radiofármacos necessários para o diagnóstico e tratamento de câncer já começa a afetar instituições de saúde de todo o país, inclusive de Porto Alegre. Parte dos hospitais consultados por GZH já registra falta dos insumos ou prevê o fim do estoque para os próximos dias.
O problema envolve o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Na segunda-feira (20), a suspensão da produção foi confirmada pelo Ipen, responsável por 85% do fornecimento nacional. O motivo é a falta de verba para importar o material necessário.
Na Capital gaúcha, o Instituto do Cérebro (InsCer), ligado à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e que atende, inclusive, pacientes do Hospital São Lucas, recebeu a substância tecnécio, usada para exames de cintilografia, que são necessários para a detecção de câncer, risco de infarto e tromboembolismo pulmonar. No entanto, na semana que vem, as entregas não serão feitas, de forma que não será possível atender a toda a demanda de exames — o Inscer produz alguns insumos, mas que não abrangem todos os tipos de atendimentos.
Já nesta semana, o tratamento de determinados pacientes não está sendo feito. Devido à falta de iodo 131, quatro pacientes com câncer de tireoide não estão sendo atendidos. Dois pacientes com tumores neuroendócrinos também não estão recebendo tratamento devido à falta de lutécio. O InsCer não sabe confirmar quando haverá disponibilidade novamente.
— É um transtorno muito grande para o paciente, que tem o seu tratamento interrompido ou nem iniciado. Em alguns casos, é necessária uma preparação, como um período em dieta, sem medicação. Então, eles já estão há quase um mês se preparando. Os pacientes que estavam em tratamento correm o risco de ter sua doença agravada — lamenta a responsável técnica do Serviço de Medicina Nuclear do InsCer, Cristina Matushita, também diretora científica da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear.
No Hospital de Clínicas, onde também foi recebido o tecnécio, não se sabe qual será a situação da próxima semana. Sem nova entrega, será possível fazer exames apenas em pacientes internados. Até agora, alguns tipos de exames deixaram de ser agendados ou precisaram ser suspensos devido à falta de fármacos, também enviados pelo Ipen.
Conforme a chefe do Serviço de Farmácia, Thalita Silva Jacoby, o tratamento em pacientes com câncer de tireoide segue sendo feito normalmente nesta semana. No entanto, ele poderá ser interrompido na próxima por falta de iodo 131.
Outros hospitais
Outras instituições também percebem a falta dos radiofármacos, mas ainda estão conseguindo contornar a situação. No Hospital Nossa Senhora da Conceição, por exemplo, os exames de cintilografia cerebral são afetados, assim como algumas avaliações cardíacas. No entanto, ainda há alternativas para se chegar ao diagnóstico em ambos os casos, conforme o diretor-presidente do Grupo Hospitalar Conceição, Cláudio Oliveira.
Já no Hospital Santa Rita, unidade da Santa Casa especializada em oncologia, os estoques ainda são suficientes até o fim da próxima semana. A partir da primeira semana de outubro, a direção prevê o fim de radiofármacos necessários para exames e tratamentos. Por enquanto, não foi necessário fazer nenhum tipo de suspensão:
— Já não basta a interrupção no tratamento que houve durante a pandemia, agora isso. É uma má notícia atrás da outra. Nós estamos agendando exames, mas deixando os pacientes avisados de que vamos ligar se houver alguma mudança — explica o diretor do Hospital Santa Rita, Carlos Eugênio Escovar.
GZH questionou o Hospital Moinhos de Vento sobre o impacto. Em nota, a instituição informou que "está com os estoques em dia e não há risco de desabastecimento nas próximas semanas". O Moinhos disse ainda que recebeu a comunicação do Ipen, mas que "vai deixar que o assunto seja tratado pela Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear".
Contatados, os hospitais da Restinga e Vila Nova informaram que não há impacto no atendimento. No caso do Vila Nova, o hospital está em processo de habilitação para oncologia e não trabalha com radiofármacos.
O Mãe de Deus informou, por meio de nota, que trabalha no gerenciamento da produção de exames a partir do estoque de radiofármacos ainda disponível para que o serviço siga normalmente, com poucas restrições. Também acrescentou que "a gestão da instituição está na expectativa de que o fornecimento seja restabelecido na próxima semana".
Verba liberada
Na noite de quarta-feira (22), foram liberados R$ 19 milhões em crédito suplementar, em edição extra do Diário Oficial da União, para que o Ipen volte a produzir e fornecer radiofármacos no país. A portaria permitirá a compra do material importado para regularizar a produção, mas não até o final do ano.
Conforme nota divulgada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, o governo federal busca a recomposição total do orçamento do instituto. É aguardada a aprovação de um projeto de lei no Congresso Nacional que vai disponibilizar R$ 34 milhões ao Ipen. Depois, será necessária a aprovação de um novo projeto no valor de R$ 55 milhões.
GZH questionou a pasta sobre quando os radiofármacos voltarão a ser distribuídos no país e ainda não recebeu retorno.
Leia, na íntegra, a nota publicada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações:
"Foi publicada nesta quarta-feira (22) em edição extra do Diário Oficial da União a PORTARIA SETO/ME Nº 11.491, liberando R$ 19 milhões para a atividade de produção e fornecimento de radiofármacos no País, executada pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN/MCTI). A portaria permitirá a compra imediata de insumos importados para regularizar a produção dos radiofármacos e é resultado do trabalho do Governo Federal, por meio do MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações com o Ministério da Economia.
Com caráter emergencial, o texto é uma alternativa mais rápida para complementar os recursos do IPEN. O Governo Federal vem atuando desde junho de 2021 em conjunto com Congresso Nacional para a recomposição total do orçamento do Instituto. O PLN 16/2021, previsto para ser votado na próxima semana, disponibilizará recursos ao IPEN no valor de R$ 34 milhões. A aprovação de um novo projeto de lei, da ordem de R$ 55 milhões, será necessária posteriormente para recompor o orçamento do Instituto até o fim do ano.
A gestão atual do MCTI tomou providências para resolver a questão da produção de radiofármacos de forma definitiva. Estudos para reduzir a fragilidade do processo da compra de insumos e fabricação dos produtos, bem como o projeto do Reator Multipropósito Brasileiro, que receberá recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), têm o objetivo de permitir que o Brasil produza seus próprios insumos e reduza a dependência de produtos importados. Além disso, o MCTI encaminhou pedido de orçamento completo para o IPEN em 2022.
Por fim, para solucionar definitivamente a situação orçamentária do IPEN em 2021, o MCTI espera que o PLN 16/2021 seja aprovado o mais rápido possível, e que seja aprovado em tempo hábil o futuro projeto de lei que irá recompor totalmente o orçamento do Instituto, totalizando R$ 90 milhões. Já para 2022, o MCTI recomenda que a Lei Orçamentária enviada ao Congresso seja ratificada com o aumento solicitado para a pasta e sem cortes, para evitar que a escassez de recursos não venha a se repetir."