Em abril deste ano, quando o Estado de São Paulo viu crescer 42% o número de mortes por coronavírus em relação ao mês anterior, e o país passava pelo pico da pandemia, uma cidade paulista conseguiu reduzir a quantidade de vítimas do coronavírus.
Para baixar em 13% os registros de óbito em comparação a março em meio à mais recente onda de covid-19, a prefeitura de Campinas colocou em prática um método de combate ao vírus que tem como eixo a detecção precoce do agravamento da doença e a antecipação de ações mais duras.
O desempenho dos campineiros foi apresentado na semana passada a gestores de todas as regiões do país em um evento virtual promovido pela Frente Nacional de Prefeitos e pelo Consórcio Conectar (que reúne municípios com objetivo de adquirir vacinas e insumos).
Eles ouviram que, enquanto muitas cidades e Estados privilegiam o impacto da covid-19 sobre a rede hospitalar para medir a ameaça representada pelo vírus, o município paulista de 1,2 milhão de habitantes adotou como sentinelas indicadores capazes de antever a aceleração da contaminação com até seis semanas de antecedência.
— Quando se começou a ouvir falar dessa doença, já entendemos que deveríamos ter sistemas muito sensíveis (de detecção). Trabalhamos isso melhor na segunda onda, tomando por base quando houve mudança de parâmetros na primeira onda que resultaria, depois, em impacto hospitalar — conta a diretora do Departamento de Vigilância em Saúde de Campinas, Andrea Von Zuben.
Em todo o Estado de São Paulo, a quantidade de óbitos saltou de 15.159 para 21.539 entre março e abril, mas no município que aplicou medidas mais rigorosas a oscilação foi de 617 para 533 no mesmo intervalo.
Crescimento na positividade dos testes
Dessa forma, os gestores de saúde de Campinas passaram a se concentrar em dados como aumento na demanda de unidades de saúde por pessoas com quadro gripal, mesmo antes da confirmação do coronavírus por exame, e os primeiros indícios de crescimento no percentual de testes realizados para covid com resultado positivo.
— As cidades começam a se assustar quando os hospitais estão lotando. Mas, quando isso ocorre, a doença já está muito acelerada, e o risco de colapso é grande. Usamos nossa experiência com a detecção precoce de casos de dengue, em anos anteriores, para o coronavírus — observa Andrea.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
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Uma vez soado o alarme, o município procurou antecipar a adoção de medidas que outras cidades ou o Estado como um todo só implementariam obrigatoriamente mais tarde. Entre elas, um toque de recolher, com validade entre 20h e 5h, ao perceberem que boa parte das contaminações estava ocorrendo em festas, bares e similares.
— Para reduzir a mobilidade em geral na cidade, também suspendemos as aulas presenciais na cidade. Depois, retomamos — revela a diretora da Vigilância.
Neste momento, Campinas já analisa a retomada de medidas mais duras. O atendimento de casos de síndrome respiratória cresceu 36% nas últimas três semanas, e a proporção de exames positivos para covid chegou a 30%. Enquanto o governo paulista cogita ampliar flexibilizações a partir de 15 de junho, a prefeitura campineira anunciou que poderá impor novas restrições ainda nesta semana.
Até esta quarta-feira (26), como comparação, Campinas tinha um acumulado de 273 óbitos por cem mil habitantes, contra 317 de Porto Alegre.
A fórmula de Campinas
Detecção precoce de agravamento da pandemia
Aumento no atendimento de síndromes gripais, ou com sintomas respiratórios agudos, por duas semanas consecutivas já dispara um alerta de que a pandemia está em elevação. Também são analisados outros indicadores como exames laboratoriais e, por fim, indicadores hospitalares. Com base nisso, procura-se antecipar ações de controle.
Medidas de restrição à transmissão do vírus
A prefeitura adotou diferentes medidas, algumas consideradas impopulares, como as seguintes:
- Toque de recolher entre 20h e 5h
- Combate a aglomerações, incluindo proibição de eventos familiares com mais de 10 pessoas
- Suspensão de aulas presenciais
- Ampliação de medidas de restrição à circulação de pessoas, com estímulo ao teletrabalho e restrições ao funcionamento de determinadas atividades
- Busca pela identificação de casos e de pessoas que tiveram contato com doentes, a fim de orientar isolamento
- Campanhas de comunicação com orientações claras à população sobre medidas de prevenção e como identificar situações e locais com maior potencial de risco de infecção
Reforço no trabalho de fiscalização
O município ampliou a estratégia de fiscalização, não apenas por meio de denúncias de festas ou aglomerações, por exemplo, mas também pelo investimento em um serviço de inteligência que inclui monitoramento de redes sociais em busca de pistas sobre eventos clandestinos. Nesse caso, as autoridades municipais, em parceria com a polícia militar, agem para impedir que a aglomeração ocorra.
Imposição de penas mais duras
A prefeitura decidiu ampliar a imposição de punições pelo descumprimento de regras, como elevar o valor de multas para quem promove aglomerações. Quem reunir mais de uma dezena de pessoas em sua própria casa, por exemplo, fica sujeito a pagar mais de R$ 3 mil e ser conduzido a uma delegacia.
No caso de festas clandestinas, a punição recai tanto sobre o organizador como sobre o proprietário do imóvel. Além de multa de R$ 6 mil, o município estabeleceu como regra que os responsáveis sejam conduzidos a uma delegacia para o registro de ocorrência.