Enquanto os esforços estão concentrados na pandemia do coronavírus e a busca por uma vacina, outras doenças também preocupam os médicos e acendem uma luz amarela no horizonte. O câncer é uma delas. Isso porque, neste ano, o número de consultas e diagnósticos de neoplasias teve uma redução drástica por conta, justamente, da covid-19. Especialistas apontam que por medo do vírus — e até por orientações de órgãos de saúde — muitas pessoas deixaram de investigar sintomas e realizar exames preventivos.
Conforme o Painel-Oncologia do Ministério da Saúde, com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), o número de casos diagnosticados de câncer caiu 59% neste ano no Rio Grande do Sul, na comparação com o mesmo período do ano passado. Se observados apenas os dados de câncer de mama, a queda foi de 57%.
Na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, o número de mamografias realizados sofreu redução de 40% entre janeiro a setembro deste ano. No mesmo período, as consultas para câncer de mama caíram 33%. No Hospital Moinhos de Vento, também na Capital, a queda foi ainda maior, chegando a 80% em alguns meses da pandemia. Se feita a média de janeiro a setembro deste ano, a quantidade de mamografias realizadas caiu 62% na instituição. Nas biópsias, a redução foi de 52%.
O oncologista Alan Azambuja, do Hospital Mãe de Deus, lembra que, quanto mais cedo o diagnóstico, maior a chance de cura. Mas o contrário também é verdadeiro.
— Nós já estamos atendendo casos mais graves. Eu mesmo recebi pacientes que tiveram os sintomas lá em fevereiro e, agora em setembro, foram obrigados a procurar atendimento e estão em um estágio mais avançado da doença — exemplifica.
A chefe do serviço de mastologia do Hospital Moinhos de Vento e presidente da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), Maira Caleffi, é ainda mais enfática:
— Estamos diante de uma possível nova pandemia: desta vez de casos avançados de câncer, que não foram diagnosticados de forma precoce — alerta.
Maira destaca que a situação da oncologia já era complicada antes da pandemia e deve ficar ainda mais no pós-covid.
— O câncer não fez quarentena. O discurso do “fique em casa” esqueceu de dizer que o câncer não espera. Para quem tinha exames de rotina, ficou uma ameaça sair de casa. Mas isso aconteceu também em postos de saúde, que não abriram as portas para pacientes com suspeita e nem prescreveram a mamografia para quem precisava de um diagnóstico — critica.
Para o diretor médico do Hospital Santa Rita, Carlos Eugênio Escovar, esse é um ano ainda mais desafiador.
— Rotineiramente, temos a dificuldade de acesso por parte da população ao sistema de saúde. Temos também o fato das pessoas terem medo de procurar um diagnóstico como esse, que é muito marcante, desafiador. Então num ano de pandemia, os efeitos são ainda maiores — pondera.
Na avaliação de Escovar, o mês de outubro — que é marcado pela campanha contra o câncer de mama — precisa servir como uma retomada, um gatilho para que as mulheres voltem a se cuidarem e sensibilizem também os homens e jovens.
— Não acredito numa explosão de casos, mas sim numa porcentagem significativa de doenças mais avançadas em cerca de 30% dos pacientes — avalia.
Procedimentos têm queda de 70%
A Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO) indica que 70% dos procedimentos para retirada de tumores malignos deixaram de acontecer em abril. Já a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) aponta que, nos meses de abril e maio, nos grandes centros hospitalares de oncologia, houve uma queda de 75% no movimento cirúrgico em comparação a 2019.
Conforme Azambuja, essa realidade foi constatada nos hospitais gaúchos.
— Muitos que tinham procedimentos ou cirurgias cancelaram, deixando para depois da pandemia. Outros tantos não levaram o resultado dos exames para o médico, prejudicando o diagnóstico — observa.
Para o oncologista Bruno Ferrari, fundador e presidente do Conselho de Administração do Grupo Oncoclínicas, isso vai impactar na sobrevida dos pacientes.
— E é pior que a própria pandemia. Precisamos manter a população munida de informações relativas aos fluxos seguros que vêm sendo adotados para que eles possam estar confiantes para seguir com as orientações de tratamento devido, de acordo com cada caso — considera.
Atenção aos sintomas
O oncologista Alan Azambuja destaca os principais sintomas que as mulheres precisam ficar atentas em relação ao câncer de mama:
— A apalpação de algum nódulo na mama ou na axila, alterações no aspecto do mamilo, na pele da mama ou em dor no seio.
Mas, ele ainda destaca, que a maioria dos diagnóstico é feita em exames de rotina em pacientes assintomáticas.
As três perguntas que salvam
Neste ano, a campanha do Outubro Rosa destaca a prevenção ao câncer de mama em três perguntas: Você observa suas mamas? Você marcou seus exames anuais? Você conhece seus riscos para câncer de mama?
— Nosso objetivo é falar muito sobre diagnóstico precoce. Justamente para que possamos reverter logo essa demanda reprimida causada pela pandemia. São perguntas que todos precisam fazer a quem se ama — destaca Maira Caleffi, presidente do Femama.
Diagnósticos de câncer no RS*
- Em 2019 - 25.995 casos
- Em 2020 - 10.475 casos
- Queda de 59,7%
*Números de janeiro a setembro
Diagnóstico de câncer de mama no RS*
- Em 2019 - 3.138
- Em 2020 - 1.327
- Queda de 57%
*Números de janeiro a setembro
Fonte: Painel-Oncologia SUS