Em meio à polêmica sobre a prescrição ou não de hidroxicloroquina e outros medicamentos sem eficácia científica comprovada para o tratamento de casos leves de coronavírus, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) se posiciona defendendo a autonomia do médico para optar pelo melhor tratamento do seu paciente. Enquanto o atendido, por sua vez, precisa estar informado para sobre a alternativa e dar o devido consentimento assinado para isso. A relação funcionaria, assim, como uma via de mão dupla, na qual ambos são corresponsáveis pela tomada de decisão.
Marcelo Matias, presidente do Simers, afirma que não há como saber se a hidroxicloroquina funciona ou não funciona para casos leves de covid-19. E aponta que, para se chegar a essa verdade, seriam necessários estudos que pudessem ser aplicados às mais diversas partes do mundo:
— É complicado extrapolar os resultados de um estudo, que aponte positiva ou negativamente a eficácia destes medicamentos, para diferentes regiões do mundo, sendo que são amostras distintas de pessoas, com hábitos diferentes. Hoje, temos a dúvida. E, na ausência de base científica, utilizamos a que temos, que é discutível.
Ele afirma que o posicionamento da entidade é legalista e está ancorado no artigo 196 da Constituição Federal e na lei de número 8.080/90, que abordam os deveres do Estado na proteção, na promoção e na recuperação da saúde para a população. Ele argumenta ainda que, no Código de Ética Médica, no artigo e inciso 7, está dito que o médico deve exercer sua profissão com autonomia, de acordo com sua consciência.
— Não citamos que medicamento X ou Y deva ser usado no tratamento de casos leves de coronavírus. Nosso posicionamento apenas vai ao encontro do que dizem as leis, de que devemos ter autonomia e dever de prescrever tratamentos se o médico avaliar que aquela alternativa é cabível para determinado paciente. Estando o paciente ciente da decisão tomada, com base em informações dados pelo médico e se tornando responsável por ela ao assinar um termo de consentimento — pontua.
Para Matias, os tratamentos foram politizados e as duas pontas mais afetadas no momento da escolha por um tratamento clínico – médico e paciente – foram deixadas de lado:
— O partidarismo foi aplicado à ciência. Isso nunca aconteceu antes. Os médicos estão na berlinda e sob ameaça das famílias em duas situações: quando não prescrevem e o paciente evolui para mal e quando prescreve e apresenta (o paciente) evolução ruim também. Não estamos falando que determinados remédios devem ser prescritos. Cobramos nossa autonomia para decidir o que é melhor para o paciente, analisando caso a caso.
O presidente do Simers diz também que raros são os tratamentos clínicos que apresentam grau A de evidência (estudos experimentais ou observacionais de maior consistência –metanálises ou ensaios clínicos randomizados) e que exigir isso para todos os tipos de tratamento seria uma incongruência:
— Se usássemos essa regra para tudo, não teríamos metade dos tratamentos que temos no mercado hoje. O médico deve analisar individualmente o paciente, ser responsável pela prescrição e ter autonomia para prescrever o que ele entende como a melhor alternativa. O paciente deve ser informado da escolha e também ser livre para decidir se quer ou não a alternativa escolhida. Isso tem que ser regra em todos os casos, não somente para o coronavírus.
Preocupação para o Cremers
Já o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) reagiu com preocupação à decisão de prefeitos de adquirir e distribuir massivamente, com prescrição médica, medicamentos para o tratamento precoce da covid-19, ou seja, em casos suspeitos, de sintomas leves e sem a necessidade de internação.
Em entrevista à GaúchaZH, Eduardo Neubarth Trindade, vice-presidente do Cremers, alertou que a prática poderá causar falsa sensação de segurança, levando pessoas a abandonar atitudes de prevenção ao contágio. Isso poderia contribuir para elevar níveis de contaminados.