Sem conter as lágrimas, Maritiele Kebin Dias relata a batalha pela qual passou na última semana ao tentar, sem medir esforços, um leito em uma UTI pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o pai. Não foi suficiente. Mário Gilberto Dias, 57 anos, não resistiu a um infarto e suas complicações.
Sempre disposto e sem histórico de problema grave de saúde, o pedreiro assustou a família com uma ligação feita pouco depois do meio-dia de segunda-feira (26). Ele avisava a esposa, Maria de Lourdes Kebin Dias, que não estava se sentindo bem. Como nunca reclamava de nada, o telefonema gerou apreensão.
Um dos genros se prontificou a buscá-lo no serviço, em uma localidade do Interior, próxima de Harmonia, no Vale do Caí. Dali, foi direto para a Fundação Hospitalar de Portão, onde chegou com diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. Na instituição, foram seguidos os protocolos preconizados para esses casos: Mário fez exames e ficou sob constante monitoramento. Inicialmente, a indicação era fazer um cateterismo em um dos hospitais de referência, em Porto Alegre, no entanto, o quadro de Mário evoluiu muito rápido, obrigando a equipe da fundação a inscrevê-lo na lista de pacientes que aguardavam por um leito em UTI. Foi aí que começou a corrida contra o tempo.
— Só ouvíamos não tem leito, não tem leito. Só portas fechando na minha cara — lembra Maritiele.
Progressivamente o quadro foi piorando. Em pouco tempo os rins já haviam sido afetados e pulmões estavam com edema, o que obrigou a médicos e a família a tentarem algo ainda mais difícil: uma UTI com cardiologista e condições de fazer hemodiálise.
Diante das negativas e da gravidade da situação, familiares ingressaram na Justiça, na terça-feira (27), solicitando urgência na vaga. O pedido foi deferido, destacando que, na falta de leitos na rede pública, o Estado deveria arcar com os custos do tratamento na rede privada sob pena de bloqueio de valores.
No dia seguinte, a Procuradoria-Geral de Portão fez uma contestação à decisão, alegando ter tomado todas as providências que estavam ao seu alcance para salvaguardar a vida de Mário. Ainda na quarta-feira, o advogado da família solicitou o pedido de bloqueio das contas do município e do Estado para custear a transferência para Porto Alegre. Mais uma vez, a decisão foi favorável, no entanto, não a tempo de salvar a vida do pedreiro.
— Mesmo com o bloqueio, os hospitais não tinham vagas em leitos particulares — diz o diretor-administrativo do hospital de Portão, César Augusto Barbosa da Silva, que também participou das tentativas de transferir o paciente.
Sem dormir direito desde que o pai foi internado, Maritiele estava no hospital quando, por volta da 1h de quinta-feira (1º), foi avisada de que ele havia sofrido mais um infarto. Naquele momento, a chance de o pedreiro sobreviver tinha caído para 15%.
Não demorou muito para que a filha recebesse a notícia contra a qual lutava até o último minuto: Mário não suportou o novo infarto, e morreu após ter uma parada cardiorrespiratória.
— Ele fez a parte dele em lutar. Nós fizemos a nossa em tentar. Mas o Estado não fez a sua parte — critica a filha.
Conforme a procuradora de Portão, Tatiana Vieira Sampaio, o município buscou todas as formas de transferir Mário, mas que não tem gerência sobre a Central de Leitos. Em nota enviada via Secretaria Estadual da Saúde, o órgão afirma que não foi encontrado leito disponível, tanto pelo SUS quanto na rede pública.
"O paciente (...) foi cadastrado na Central de Regulação Hospitalar no dia 27/02/18, às 3h37min, para um leito de UTI. Na sequência, o cadastro foi encaminhado para a Central de Regulação de Porto Alegre, que é referência para o município de Portão (...). Apesar dos hospitais da capital serem referência para o caso em questão, a Central também procurou no interior do Estado leito que atendesse a complexidade e especificidade da situação. Durante dois dias, foi feita uma busca ativa, com constante monitoramento e atualização do quadro clínico do paciente. No período de busca, nem Porto Alegre nem o interior do Estado contavam com leitos disponíveis que atendessem as especificidades que o caso exigia".