
Os problemas climáticos enfrentados pelo Rio Grande do Sul nos últimos anos não chegam a ser novidade. Há algum tempo, diversas regiões do mundo lidam com intempéries mais severas. No entanto, o ineditismo do volume de chuvas que levou à maior tragédia deste tipo na história do Brasil acendeu, de uma vez por todas, o sinal de alerta.
Para lidar com questões que não são inéditas — mas surpreendem pela potência e prenunciam maior frequência —, startups gaúchas apostam em ideias novas. Aplicando tecnologia de ponta, um ecossistema estimulante e cabeças pensantes, elas investem em inovação para monitorar, prever e enfrentar eventos extremos.
O suporte vem de alianças entre os poderes público e privado, com participação ativa de secretarias municipais, estaduais e centros tecnológicos espalhados pelo Estado.
Segundo a secretária de Inovação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, Simone Stülp, é fundamental conhecer as oportunidades, potencialidades e desafios para construir uma política pública que esteja alinhada à dinâmica do Estado.
— Esse tipo de resultado não se colhe de um dia para o outro. Há alguns anos, estamos estruturando a dinâmica de um ecossistema de startups mais fortalecido, em todas as áreas — ressalta.
O trabalho que vinha em desenvolvimento ganhou novos capítulos durante e após as enchentes, a fim de escalar mais rapidamente. O secretário de Inovação de Porto Alegre, Luiz Carlos Pinto, lembra que a administração municipal também já mapeava e apoiava startups que tivessem impacto na área de adaptação às mudanças climáticas.
— A gente tem trabalhado bastante para fomentar soluções, aproximar, fazer com que o poder público conheça o que está acontecendo, ajudando as startups a ganhar destaque e maturar suas soluções — comenta.
Diversos projetos já estão no mercado oferecendo soluções que, além de arrefecer o impacto no meio ambiente, aumentam a competitividade das empresas. Para continuar crescendo, elas apostam em rodadas de investimentos e acesso ao mercado, tendo o South Summit como um grande espaço para isso. Seja nos palcos, estandes ou na Startup Competition, é hora de ver a inovação gaúcha ajudar o mundo todo.
Monitoramento do nível das águas
Com base em mais de 30 anos de estudos sobre um padrão específico de reflectometria – técnica analítica que usa a reflexão de ondas para analisar materiais e sistemas –, a startup TideSat desenvolveu um sensor capaz de medir os níveis da água a distância. Com isso, o equipamento fica a salvo da própria água, evitando que seja arrastado ou danificado, como aconteceu com réguas físicas ou mesmo outros equipamentos eletrônicos durante a enchente de 2024. A ideia levou a empresa à final da Startup Competition.
Os estudantes do Programa de Pós-graduação em Sensoriamento Remoto da UFRGS Vitor Hugo de Almeida Júnior, Douglas Bueno Leipelt e Maurício Kenji Yamawaki criaram um dispositivo de baixo custo, com três componentes: uma caixa de plástico, uma antena e um painel solar. A inspiração e o suporte vieram de um dos expoentes no assunto em nível mundial, o professor Felipe Nievinski, à frente do laboratório da universidade.
Além de funcionar com total autonomia, a instalação se vale de estruturas já existentes, como prédios, silos ou antenas. O sistema utiliza a reflexão do sinal de satélites na água para fazer a medição. São ondas advindas do GPS, comumente utilizado no dia a dia, por exemplo. É isso que permite que se faça a medição longe da água.
— Nosso maior caso é no porto de Estrela, onde o sensor fica no topo de um silo a cerca de 50 metros da água e o mesmo tanto de altura. Ele opera de forma autônoma, com energia solar. Sem cabeamento de energia elétrica, nada — conta Vitor Hugo.
O projeto já vinha em desenvolvimento e ganhou celeridade com a enchente. Sensores que já estavam em funcionamento e um que foi instalado durante as cheias deram respostas em tempo real para as autoridades, enquanto outros equipamentos eram levados pelas águas. Com o resultado, outras prefeituras, Estados e até países já demonstram interesse. Equipamentos da TideSat já medem níveis de água e até de neve em países como Estados Unidos e Espanha, e outro entrará em operação no Canadá em breve.
— A única coisa que nos impede (de vender a solução para outros países), no momento, é a questão regulatória, algumas certificações. Pretendemos estar mais consolidados nessa parte até 2026, para acessar mercados externos. É uma solução que vai funcionar em qualquer lugar do mundo — projeta Douglas Leipelt.
Após a tempestade

Assim que a enchente de 2024 mostrou seus primeiros impactos, a doutora em Administração e professora universitária Caroline Vanzelotti se dirigiu aos laboratórios da PUCRS para colocar em campo o conhecimento em recursos humanos e no mundo corporativo.
Uma das provocações veio do secretário de Inovação de Porto Alegre, Luiz Carlos Pinto, que via a urgência de um quadro de monitoramento de dados, em tempo real – o chamado dashboard, fundamental na gestão de projetos.
— Para um dashboard é preciso de dados, e era o que faltava. Chamamos pessoas dos nossos contatos para que fossem até os abrigos e nos informassem do que cada local precisava, isso a cada duas horas — conta Caroline.
Foram contabilizados 345 voluntários, que cadastraram 712 abrigos, entidades e centros de distribuição. As informações abasteciam o portal SOS RS, que mostrava, de forma estruturada, as necessidades de doações.
O passo seguinte foi capacitar lideranças comunitárias para abastecer o sistema. Era o embrião da ONG Bonanza, que participa desta edição do South Summit, onde apresenta o sistema já utilizado na Espanha, Estados Unidos e Argentina. Basicamente, as pessoas se cadastram e dizem o que precisam. Quem ajuda, vai na plataforma e visualiza. O contato entre ambos é realizado e. a partir daí, basta entregar diretamente ao outro a ajuda oferecida.
Microalgas ajudam em todas as etapas
Um dos grandes entraves para a reconstrução do Rio Grande do Sul, depois das enchentes de 2023 e 2024, é a recuperação do solo. Grandes áreas foram varridas, enquanto outras ficaram com uma quantidade absurda de sedimentos depositados. A solução para isso também pode vir dos laboratórios, mais especificamente da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), onde nasceu a startup de biotecnologia de microalgas TerraMares, que também é finalista da Startup Competition.
O projeto, capitaneado pelos oceanólogos Luiza Dy Fonseca Costa, Tainã Machado Ança e Victor Brian Lopes Magalhães, coleta microrganismos para serem isolados em laboratório e testados quanto à viabilidade de aplicação na agricultura e em cosméticos.
Na terra, as microalgas têm a capacidade de sequestrar carbono do ar e ainda aumentar o nível de nutrientes. Isso reduz a necessidade de adubação nitrogenada, responsável por até 30% do custo de uma lavoura.

— A tecnologia tem base em algas azuis, que promovem a fixação biológica do nitrogênio. A aplicação é feita por meio da água usada na irrigação, facilitando a difusão — explica Luiza.
A técnica foi aprimorada em parceria com o Instituto Rio-Grandense do Arroz (Irga), mas os sócios ressaltam que as soluções também se aplicam a outros cultivos. Milho, cana-de-açúcar, frutas e hortaliças estão entre os já testados, especialmente na agricultura familiar.