Quem circula pela BR-290 consegue ter dimensão do avanço significativo das águas do Rio Jacuí e do Guaíba, que banha a Capital. Uma parte considerável das ilhas da cidade ficou submersa nesta quinta-feira (2). Centenas de residências foram atingidas. Ainda assim, alguns moradores se recusam a deixar seus lares.
A orientação do poder público é de que as pessoas que vivem em áreas de risco, como é o caso de quem mora no Arquipélago, deixem seus imóveis e recorram aos abrigos organizados pelo município ou às casas de amigos e familiares. Mas tem quem queira permanecer na própria moradia pelo máximo de tempo possível.
É o caso de José Ronildo de Alcântara, 63 anos. Nascido e criado no bairro Arquipélago, é residente na Ilha da Pintada. Segundo ele, durante a última madrugada, a água não estava perto de casa, que é de madeira. Em questão de horas, o rio não só chegou, como ficou a poucos centímetros do piso.
Questionado sobre o porquê de continuar no local, ele respondeu que não tem como "abandonar tudo". O receio de perder o pouco que conquistou após as últimas enchentes é grande. Parte da cozinha, inclusive, segue intacta em cima de uma mesa, empacotada, uma vez que nem chegou a ser montada.
— Quando não tiver mais como ficar dentro de casa (eu saio). Mesmo que tenha água, eu vou ficando.
Quando a equipe de reportagem percorreu a Ilha das Flores, foi possível perceber uma grande movimentação de pessoas para fazer a remoção de móveis, eletrodomésticos, bens pessoais. A comunidade unia esforços para salvar o que fosse possível no momento.
Outra moradora, Fernanda Gonçalves Rosa, explicou porque muitos vizinhos não quiseram deixar as moradias, enquanto aguardava para deixar o local, junto a um carro estacionado no canteiro da rodovia, com seus cinco cachorros dentro — ela tem outros quatro gatos e promete levá-los para o abrigo disponibilizado pela prefeitura.
— Tem muita gente que tem medo de roubo, o que é um clichê, mas também tem muitos que acham que não vai acontecer nada de mais, que é só mais uma enchente. Eles falam que "quem mora na ilha tá para se molhar". Mas o pessoal tem que se conscientizar porque o negócio tá ficando muito sério, tá alarmante.
Da Ilha do Pavão, Rodrigo Melo decidiu ficar em casa porque ela é de dois pisos. Preocupado com os animais de estimação da vizinhança, ele e pessoas próximas resolveram construir uma espécie de abrigo numa área mais elevada, próximo à BR-290.
— Acho que vai mais que uma semana essa água aí. Mas a minha casa é alta. Para se deslocar, nós temos um barco — explica.
Não muito longe do abrigo construído para os cachorros, uma pequena cabana de madeira está sendo erguida por Jorge Daniel Mendes. Ele reside em Eldorado do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, mas tem familiares na ilha da Capital.
— A minha irmã mora aqui desde criança, nasceu aqui. Tô fazendo um abrigo pra ela ficar com os filhos dela e o marido. Ela tem três filhos, de nove meses, dois e quatro anos, não se sente confortável longe de casa.
Apesar do abrigo ficar às margens da rodovia, Jorge acredita que não vai ocorrer nenhum problema por ali e que "risco a gente corre sempre".