Um projeto criado pela antiga gestão da prefeitura de Porto Alegre está travado. A modernização da Rua João Alfredo, no bairro Cidade Baixa, pouco avançou nos últimos quatro anos. Em meio à troca de prefeitos e secretarias, a ideia original está passando por revisões, e não há prazo para que seja retomada.
O plano para revitalizar a rua teve início em 2017, na gestão de Nelson Marchezan Júnior, com o objetivo de construir um ambiente compartilhado entre frequentadores do bairro, e melhorar o convívio entre motoristas, pedestres, comerciantes e moradores. Na época, a rua era pouco utilizada por pedestres durante o dia, e à noite, era marcada por conflitos entre policiais, residentes e pessoas que ocupavam a via. A intenção era transformar a via em um modelo para a cidade, seguindo um conceito de Ruas Completas. Segundo a Ong WRI Brasil, que ajuda a difundir a ideia para as cidades brasileiras, trata-se da requalificação das vias públicas para ampliar a convivência entre usuários.
A execução se daria em duas etapas: a primeira, chamada de Urbanismo Tático, previa a melhoria da sinalização viária, com pinturas no asfalto para diminuir o espaço dos veículos — e consequentemente a velocidade — e aumentar a circulação de pedestres. Foram feitos recuos e rotatórias ao longo dos 650m de extensão da rua.
Esta parte foi concluída. Atualmente, é possível visualizar as pinturas, feitas entre 2017 e 2019. Conforme a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU), os trabalhos foram concluídos na época. A pasta afirma que houve resultados positivos, com uma redução de 43% no número de acidentes na localidade na época.
Na sequência, o projeto chegaria à segunda etapa, a de obras permanentes. A ideia era causar uma transformação radical na rua, ampliando as calçadas em até três vezes, e implementando áreas de lazer, com bancos e áreas arborizadas, os chamados parklets. A expectativa era de que a contratação da empresa responsável pelas obras ocorresse em 2022, já na atual gestão. No entanto, ao chegar na Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (Smoi), o projeto parou antes de ser aberto um edital.
No início deste ano, o secretário André Flores, da Smoi, devolveu o projeto à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana para que ele passe por revisões. Segundo ele, foram constatadas inconsistências que iriam impactar na execução das obras.
— Nós levantamos algumas questões que precisavam de uma melhor análise. Quando a gente planeja a obra, temos que pensar no impacto social que ela tem durante a sua execução. Como que a gente faz com um comércio, como que faremos com o transporte coletivo? Qual a forma mais eficiente de fazer essa obra gerando o menor impacto da população? E por isso o projeto precisava sofrer ajustes — afirma Flores.
Flores coloca que, entre os principais problemas constatados, estão a forma como seriam reconstruídas as calçadas e a acessibilidade das pessoas durante os trabalhos na via.
— Tinha a questão do piso, das calçadas e paradas de ônibus, que impactariam na acessibilidade: como deixar o piso no mesmo nível da pista de rolamento, por exemplo. Havia também algumas adaptações e qualificações que precisavam ser feitas e que a gente não gostaria que fossem realizadas durante a execução. Se trata de uma área em que muitas pessoas passam, tem um comércio muito intenso, é extremamente residencial, com grande fluxo de transporte coletivo — complementa.
No momento, a prefeitura busca financiamento para contratar uma nova empresa, que auxiliará nas mudanças do projeto. Por isso, ainda não há data para a conclusão do novo plano, tampouco para início das obras. A estimativa é que, quando executada, ela seja concluída em menos de dois anos.
GZH tentou contato com o ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior, mas não teve retorno até a publicação desta matéria. A reportagem também procurou o secretário extraordinário de Mobilidade Urbana na época da implementação do projeto, Rodrigo Mata Tortoriello, assim como outros membros que atuavam na pasta. Nenhum deles aceitou dar entrevista.
“A rua está largada às traças”, diz empresário
GZH circulou pela João Alfredo na tarde desta quarta-feira (20). Nos recuos para pedestres, pintados em verde, é possível ver alguns poucos bancos e vasos com plantas, colocadas durante a primeira etapa, e árvores, a maioria pichados. Algumas pinturas já estão desbotadas.
Moradores e comerciantes reconhecem que as obras trariam mais segurança e conforto. Proprietário do bar Calico Jack há oito anos, o empresário Felipe Mesquita, se diz frustrado pela interrupção das obras e pela falta de manutenção das estruturas já colocadas.
— Traz uma insegurança para o comerciante, que esperava que fosse feita a obra, melhorasse a condição aqui na rua e ficou por isso mesmo. Então se alguém estivesse vindo aqui, esperando que isso fosse acontecer, deu de cara na porta, porque começaram o projeto, largaram no meio, não fizeram nem a manutenção do que tinha aqui e a rua está largada às traças — reclama.
Moradora da rua há 38 anos, Maria da Graça Letti também considera que a rua está abandonada, e responsabiliza as diversas gestões que passaram pela prefeitura.
— Cada governante que chega tem uma ideia diferente. Não há uma continuidade do serviço, do projeto. Essa rua, que tem história na cidade, não é valorizada — afirma.