Moradora do Rubem Berta, em Porto Alegre, Laisla Ortiz, 20 anos, estava grávida de Lavínia, a primeira filha, quando o noivo Jonatas, 29, o pai, encaminhou a documentação para formalizar perante a lei o relacionamento deles. Nesta quinta-feira (26), a pequena dormia e era revezada entre os braços deles durante a cerimônia de casamento coletivo organizada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ).
— Antes daqui estávamos na primeira consulta médica dela (Lavínia) no Hospital Conceição, não deu tempo nem de passar em casa para nos arrumar — conta a mãe, beijando a testa da pequena enrolada em um cobertor no colo.
— Era pra ter ficado mais umas três semanas na barriga, mas veio antes pra ver nosso casamento — brinca o pai, segurando a mochila.
A participação de um bebê de 13 dias no colo dos noivos foi uma das atrações da 22ª cerimônia de casamento coletivo feita entre TJ, Corregedoria da Justiça Federal e Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais da 1ª Zona de Porto Alegre. Um breve rito legal que durava menos de dois minutos para cada casal antecedia a assinatura de uma certidão de casamento sem custos. Uma dupla de pianista e cantora, um bolo e buquês de flores traziam romantismo para o momento oferecido pelos voluntários do sistema judiciário gaúcho.
Entre noivas e noivos, filhos que tinham idades entre os zero e 13 anos acompanhavam familiares no momento especial. Jenifer Gularte, 30, que foi se casar legalmente com Julio Cesar Gularte, 31, juntos há 12 anos, ofereceu os braços para que Laisla pudesse ir até a mesa dos cerimonialistas com as mãos livres para assinar o documento depois de dizer sim ao companheiro. Os dois filhos dela, Breno, 2, e Sara, 13, estavam em outras cadeiras da plateia e viram de longe Lavínia ser embalada pelo colo que já os fizera dormir tantas vezes.
— Me ofereci para ajudar ela (Laisla). Não imaginava segurar um nenê em casamento, menos ainda sendo a noiva, mas como mãe a gente sempre se solidariza, é instinto — comentou depois.
Em família
Já Carina França, 41, veio casar com o companheiro de duas décadas, Joerson Silva, 38, e trouxe a filha e seu noivo para lavrar a união. Maria Eduarda França, 25, recebeu o sobrenome de Matheus Cuzzy, 22, depois de uma sugestão da mãe. No momento da formalidade, tiveram o protocolo quebrado por uma falha no microfone da cerimônia, em uma demora de segundos que gerou um sorriso nervoso apenas na noiva. A expressão do noivo só se descontraiu quando as alianças saíram do seu bolso e foram para os dedos deles.
— Eu estava nervosa, antes da hora o coração chegou a acelerar — confessou Maria Eduarda, minutos após ser uma das únicas noivas a trocar um beijo e anéis de compromisso ao soltar a caneta.
A mãe dela já usava aliança e dispensou o vestido.
— Sou mais prática, mas ela eu sei que está emocionada. As próximas serão minha comadre e a mãe dela — disparou a matriarca casamenteira, para risadas da parte da família que os acompanhava. Uma festa maior deve ser feita na casa deles no próximo final de semana, projetam.
Respeito ao rito
Todos casais se candidataram entre agosto e setembro para a ação social do TJ. Era preciso apenas os documentos pessoais e uma declaração própria de que não tinham condições de arcar com a formalidade legal – que custa pelo menos R$ 200 quando feita em um cartório. Noivos e noivas receberam instruções, inclusive quando já estavam prestes a subir as escadas do Palácio, para que respeitassem os ritos legais da ocasião.
Qualquer resposta diferente do “sim” frente à pergunta de interesse livre e autônomo do juiz que celebrava a união, mesmo que de brincadeira, poderia ser interpretada como um sinal para que o casamento não fosse oficializado. Se alguém hesita ou fala um não de brincadeira, pode haver a suspeita de coerção de uma das partes, de acordo com o alerta da assistente administrativa do memorial Sabrina Lindemann, uma das organizadoras do evento.
Após as respostas firmes ao microfone e assinatura da certidão, a caminhada de volta à cadeira na plateia era embalada com aplausos. Nem sempre se beijavam, nem sempre sorriam, mas a maioria se colocavam a ler o papel que haviam acabado de receber assim que se acomodavam nos assentos. Depois, sim, era a vez dos momentos de carinho e registros fotográficos.
Arte no palácio da lei
O prédio cinquentenário é referência arquitetônica e teve sua beleza enaltecida pelos cerimonialistas. Afinal, estavam em um palácio. Os aspectos românticos da estética ficaram por conta dos arranjos de flores nas mãos das noivas, comprados e montados por funcionárias do Memorial do TJ, e pela dupla de pianista e cantora. Pamela Ramos, 35, recebeu os 15 casais e seus familiares com uma extensa marcha nupcial. A tradicional melodia precisou se estender mais do que ela está acostumada a tocar em casamentos individuais.
— É diferente, o lugar é bonito e não é todo casamento que tem um piano de cauda como este que toquei aqui. É bem raro — disse a musicista, que se apresentava pela primeira vez em um evento coletivo.
— É um trabalho lindo, todos merecem uma cerimônia com música — argumentou a cantora Débora Sydow, 35, em sua segunda edição do casório do TJ.
Emoção no rosto
Mesmo com todos protocolos e formalidades, o carioca Felipe da Silva, 40, e sua noiva Aline Gonçalves, 42, moradores da Zona Norte, exibiram largos sorrisos quando foram enquadrados pelo fotógrafo do evento na chegada ao mezanino. Após a cerimônia, perguntados sobre qual o motivo específico da alegria, ainda de mãos dadas, deram outra demonstração da emoção. Ele demorou a conseguir responder, as mãos de ambos se soltaram para secar os olhos e voltaram a se encontrar depois.
— Nem sei dizer uma só, é tanta coisa boa e estamos vivendo um momento tão especial — respondeu Silva, dentro do terno azul marinho com camisa branca e gravata preta.
— Estávamos ansiosos. Vimos no jornal e vim no primeiro dia com os documentos para garantir — complementou Aline, de vestido branco e maquiagem.
A cerimônia durou exatamente uma hora, entre as 16h e 17h. A plateia de cerca de 60 pessoas se dispersou sem chuva de arroz nem promessa de festa. Ao invés de limousines ou veículos ornamentados, noivos e familiares se despediram aguardando veículos pedidos via aplicativos no centro de Porto Alegre.