Formadas pelo acúmulo de resíduos ao longo do córrego da Avenida Ipiranga, em Porto Alegre, as “ilhas do Dilúvio” atraem insetos, concentram lixo e comprometem ainda mais a já desestimulante paisagem do castigado riacho. A falta de limpeza faz com que esses bancos de areia fiquem mais visíveis, mas não é, segundo especialistas, a causa do problema.
Para Alice Rodrigues Cardoso, mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o desassoreamento (retirada de sedimentos) é uma medida meramente paliativa, que deve dar lugar a ações efetivas — não necessariamente de grande porte.
O ponto de partida seria, segundo ela, a integração entre as prefeituras da Capital e de Viamão, onde fica a principal nascente do Arroio Dilúvio. Os municípios poderiam, por exemplo, alinhar estratégias envolvendo coleta de lixo e educação ambiental para pessoas que vivem nas margens do córrego.
Seria também fundamental repor a vegetação nas áreas ciliares (margens) e investir na preservação de nascentes. A especialista explica que a nascente é a parte mais inclinada de um rio — conforme as águas se direcionam para a foz, há menor inclinação. Ou seja: quando se retira mata das nascentes do riacho, formam-se sedimentos que impactam em toda a sua extensão.
— Essa é a chave para pararmos de enxugar gelo fazendo apenas dragagem (limpeza), o que é importante para evitar alagamentos, mas não resolve o problema — afirma.
Segundo a geógrafa, a principal nascente do Dilúvio, localizada no Parque Natural Municipal Saint’Hilaire, em Viamão, tem vegetação preservada, pois está inserida em uma unidade de conservação ambiental. No entanto, há diversos outros pontos onde isso não ocorre, especialmente onde o córrego não é “retificado” (com margens concretadas). O trecho em que o arroio costeia a Avenida Bento Gonçalves é um exemplo.
De acordo com Vanusca Jahno, professora do Programa de Pós-graduação em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale, a redução dos resíduos acumulados também poderia ser feita com a manutenção das tubulações que desembocam no córrego. O intenso movimento de carros e ônibus na rua pode ocasionar fissuras e desencaixes nestes encanamentos – feitos, geralmente, de concreto. Assim, o solo que está em volta dos canos se solta, entra por essas aberturas e chega ao arroio.
— Geralmente, essas tubulações são grandes e antigas, e infelizmente sua readequação pode ter um custo alto. Uma opção seria iniciar nos locais em que a situação está pior — sugere.
Conforme Roselane Zordan Costella, professora do Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRGS, medidas simples, como evitar atirar lixo no arroio, são importantes, assim como preservar sua vegetação e investir em pesquisas na busca por soluções pouco onerosas.
— É preciso olhar esse arroio de perto. O porto-alegrense passa por ele todo dia e não o enxerga — lamenta.
Segundo a prefeitura, a última remoção de detritos dos fundos do Dilúvio foi feita em 2018. A previsão é que seja realizada licitação ainda no primeiro semestre do ano para contratar serviços de limpeza e dragagem.
O que é jornalismo de soluções, presente nesta reportagem?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Experiência de Curitiba
Em Curitiba, no Paraná, a prefeitura lançou, em 2019, o programa Amigos dos Rios, a fim de levar educação ambiental, ações de saneamento, limpeza, fiscalização e plantio de vegetação às margens de córregos da bacia hidrográfica do Rio Belém, que atravessa a cidade.
Segundo Inês Gimenez Costa, agente administrativa da Gerência de Educação Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do município, 25 técnicos fazem contato porta a porta com a população, atividades em escolas e palestras em condomínios sobre a importância da preservação da mata ciliar. Durante a pandemia, as atividades têm sido feitas de forma remota.
Inês explica que cada microbacia tem um comitê formado por "fiscais", que esclarecem à prefeitura os problemas locais. A população auxilia no plantio das mudas de árvores, que são doadas pela prefeitura.
Exemplo internacional
O córrego Cheonggyecheon, na Coreia do Sul, perpassa a área urbana de Seul, assim como o Dilúvio adentra Porto Alegre. Lá, uma cobertura de concreto havia sido construída sobre o curso d'água, formando um viaduto. O arroio, de aspecto sujo e cinzento, foi revitalizado: teve o teto retirado, a água tratada e uma transformação especial nas margens, que ganharam vegetação e pequenas cachoeiras.