Boa parte do público que ajudou a engrossar a massa de foliões do Carnaval de rua de Porto Alegre nos últimos anos sequer imagina que, até poucas décadas atrás, a aglomeração mais cobiçada da Capital era intramuros, e distante da região central. Entre a década de 1970 e o começo dos anos 2000, o baile Verde e Branco ficou conhecido por arrastar milhares, entre famosos e anônimos, ao Teresópolis Tênis Clube, na Zona Sul.
– Era muito bom. O evento era tão grande que enchia salão, mezanino e o ginásio do clube – recorda Sonia Lupi, que trabalhou na área de eventos do Teresópolis entre as décadas de 1980 e 1990.
O Verde e Branco surgiu na década de 1970, como uma marca da Emprol, empresa de eventos que também produzia bailes de outros clubes, em parceria com as diretorias. A festa marcava a abertura do Carnaval do Teresópolis, sempre na sexta-feira anterior ao feriado.
Desde as primeiras edições, o Verde e Branco foi favorecido pelo contexto social. À época, os clubes eram o principal destino dos foliões que ficavam na cidade durante o Carnaval.
Em um ambiente de intensa movimentação nas agremiações, o baile do Teresópolis tornou-se o destaque. Conselheiros do clube estimam que, nos tempos áureos, reunia entre 8 mil e 10 mil pessoas a cada edição.
A festa temática com música ao vivo não terminava antes de o sol raiar – ao final, de manhã, um cortejo puxado pela banda deixava o clube em direção à Avenida Teresópolis. O segredo do sucesso, acredita Sonia, foi a estratégia adotada para atrair o público: camarotes cheios de celebridades locais, de jogadores de futebol a modelos e misses, passando por figuras da cena política local.
Os carnavais eram lotados! Sempre com show ao vivo e muita folia. Tive a oportunidade de ir em diversos shows nacionais no salão principal, minhas irmãs debutaram no clube, tinha uma sede campestre no bairro Ponta Grossa que também foi vendida. A Sede Campestre do TTC era incrível. Lembro que na época de Natal sempre vinha um caminhão com um Papai Noel na caçamba jogando balas para a criançada (eu era uma delas) nas dependência do clube. Uma pena ver nosso clube verde e branco sendo sucateado, seja pela crise ou por má gestão.
WILSON JÚNIOR CARBONELL NASCIMENTO
– O segredo era a mulherada. A gente convidava elas para irem de graça, com a condição de que fossem fantasiadas. Era tudo muito ousado para a época, uns biquínis minúsculos. Os acompanhantes tinham que pagar – conta Sonia.
Miss Brasil em 1986, Deise Nunes participou do Verde e Branco uma vez, anos antes de receber o título. Impressionou-se com a dimensão do evento:
– Eu me lembro que era muito disputado. Para entrar em uma loucura, tinha muita gente. As rampas de acesso eram cheias de gente. Na época não tinha essa coisa de ar condicionado... Era um calor! Mas posso dizer que era um baile muito bom.
Além das modelos em trajes diminutos, o baile tinha um camarote LGBT onde drag queens e travestis brilhavam durante a grande noite. As figuras que causavam maior alvoroço, no entanto, eram os jogadores de futebol. Nomes como Paulo Roberto Falcão, Ronaldinho Gaúcho e Paulo César Tinga foram alguns dos que frequentaram o baile.
A festa era embalada, principalmente, pelas clássicas marchinhas carnavalescas, geralmente executadas por uma banda local. Mas também contou com participações ilustres. No começo dos anos 2000, ninguém menos do que Neguinho da Beija-Flor foi o mestre de cerimônia do evento, e se apresentou para o público que lotava as dependências do Teresópolis Tênis Clube.
Rainha no primeiro baile
No mesmo ano em que o carnavalesco famoso comandou a folia no Teresópolis, uma associada estreava em grande estilo no Verde Branco. Com 18 anos recém-completados, Luciana Masera foi ao seu primeiro baile como rainha do Carnaval, de faixa e tudo. Neguinho da Beija-Flor anunciou a presença dela no evento.
– Sempre gostei muito de Carnaval e tinha o sonho de frequentar à noite. Quando completei 18 anos, fui encorajada pelas amigas a participar do concurso, que era só para sócias. Fiquei muito feliz quando ganhei o título. Foi uma emoção estrear assim – lembra a relações públicas de 39 anos.
Clube da infância dos meus filhos, hoje com 33 e 30 anos. Os bailes maravilhosos, a piscina. Boas recordações.
CARMEN SILVIA MENDES
A relação de Luciana com o clube começou na infância. Moradora do bairro Teresópolis, ia com os pais frequentar as piscinas. Divertia-se no Carnaval infantil, mas seus olhos brilhavam mesmo quando, ao anoitecer, os adultos se preparavam para ir ao Verde e Branco.
– Lembro da minha mãe e as amigas se arrumando, colocando fantasias, plumas. Meu pai colocava as roupas combinando com as da minha mãe. Era uma noite mágica. Eu ficava encantada, pensando em como seria quando chegasse a minha hora – diz Luciana, que hoje vive no Menino Deus.
Ela não foi a única a estabelecer um vínculo afetivo com o evento. O aposentado Carlos Fernando Kunrath, 65 anos, deve ao Verde e Branco uma união de 35 anos, entre namoro e casamento. Foi no baile que, na década de 1970, conheceu aquela que viria a ser a mãe dos seus filhos.
– Ela estava sentada numa das mesas, na primeira fila do salão, e eu sambando, fazendo passos, quando cruzamos olhares. Tirei ela para dançar, e a gente chegou a conclusão de que já tinha se visto na piscina, mas não me dei conta que era a mesma pessoa. Ou seja, gostei dela duas vezes – diverte-se o aposentado, que ainda se apresenta com o apelido que ganhou dos colegas de futebol do clube: Pulga.
Por vários anos, o clube vizinho de casa foi o principal centro de lazer do casal, que, além dos eventos e das piscinas, praticava tênis no local. Com a chegada dos filhos, foram, aos poucos, deixando de frequentar – mais tarde, mudaram de bairro. Separaram-se em 2006, preservando a amizade.
Decadência e dívidas
Mais emblemático evento do Teresópolis Tênis Clube, o baile Verde e Branco foi minguando até dar lugar a outro formato de Carnaval, com DJ, em meados dos anos 2000 – uma tentativa de reeditar o evento, anos atrás, não conseguiu reunir 500 pessoas. Assim como em outros clubes, no entanto, a folia nunca teve o mesmo apelo junto ao público do que nas primeiras décadas do baile.
Cresci dentro do Terê. Fiz aulas de natação, de dança e de vôlei, as primeiras amigas, os primeiros crushes, as amizades de verão na piscina... Carnaval infantil e adulto. Ganhei umas duas vezes no concurso de fantasia no Carnaval infantil. Uma pena ver que o clube já vem definhando há anos e nada foi feito.
FERNANDA SOUZA
O fim do Verde e Branco foi marcou o começo da decadência do Teresópolis, que nos anos 1990 trouxe diversas atrações de sucesso nacional para se apresentarem nas dependências do clube. Depois de receber bandas locais como Cidadão Quem e nacionais como Kid Abelha e O Rappa, e artistas como Alcione e Claudinho e Bochecha, o clube viu o quadro societário minguar – hoje os sócios mal chegam a uma centena – e acumulou uma dívida milionária.
Em fevereiro, o clube chegou a ter a luz cortada por falta de pagamento. Para conseguir pagar os credores, agora, os conselheiros cogitam a venda do terreno de 17 mil metros quadrados em que se localiza — ou, ao menos, de parte dele.
– Agora as pessoas falam bem do clube, mas se todos que sentem saudade ainda fossem associados, não teríamos chegado nesse ponto – lamenta o conselheiro Luiz Fernando Mello Tarasiuk.