Porto Alegre voltou a registrar queda no número de mortes envolvendo acidentes com bicicletas. Apesar disso, quantidade já foi menor em ao menos dois dos últimos seis anos (2017 e 2015). Ao todo, foram quatro óbitos entre janeiro e dezembro de 2019, conforme dados da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). A marca, que representa metade das fatalidades registradas durante todo ano anterior, é vista como positiva por parte de profissionais da autarquia, que relatam aumento visível no número de ciclistas na Capital.
As quatro mortes representam pequena parte dos 192 acidentes envolvendo bicicletas registrados de janeiro a novembro de 2019 (dados de dezembro ainda não foram todos contabilizados). Desses, 178 tiveram vítimas com lesões corporais enquanto 14 apresentaram apenas danos materiais.
Entre as mortes, duas ocorreram em razão de colisão lateral entre veículos automotores e bicicletas. O primeiro caso foi em abril, quando um jovem de 17 anos foi atingido por uma moto na Avenida do Lami, na Zona Sul. Outra vítima fatal foi registrada no bairro Restinga, em novembro, quando um caminhão bateu em um ciclista de 63 anos.
Para Diego Marques, coordenador de Educação da EPTC, esse tipo de acidente ainda ocorre porque motoristas não respeitam a distância mínima para ciclistas na via.
— A colisão lateral é uma infração de trânsito. Ele (motorista) não respeita que deveria passar do ciclista a uma distância (mínima) de 1,m50cm. Também é responsabilidade do motorista não tirar aqueles “fininhos” — afirma Marques.
As outras duas mortes ocorreram em situações distintas. Em março, um homem de 26 anos morreu após colidir contra um contêiner de lixo do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), na Rua Mariante, bairro Rio Branco. Houve, ainda, uma morte de pedestre provocada por um atropelamento, quando uma idosa de 91 anos foi atingida por uma bicicleta ao tentar atravessar a Avenida Cristóvão Colombo, no bairro Floresta.
As estatísticas também apontam um cenário preocupante. O número de acidentes e de feridos voltou a crescer na comparação entre os últimos anos (2018/19) e os dois anteriores (2016/17).
Na avaliação de profissionais da EPTC, segue existindo na sociedade uma incompreensão sobre a finalidade da bicicleta como veículo, pois a utilização antes estava restrita culturalmente a atividades de passeio e esporte.
— Hoje não, ela tem outra conotação. Não deixa de ser lazer, mas também é mobilidade —avalia Diva Yara Leite, engenheira técnica de trânsito da EPTC.
Nos relatos de ciclistas ouvidos pela reportagem, em todos os casos a bicicleta foi citada, principalmente, como meio de transporte. Entre motivos listados estão economia, bem-estar, e agilidade.
— É mais prático, econômico e um exercício físico — diz João Giró, trabalhador do setor administrativo.
Giró conta que não tem bicicleta própria. Passou a alugar do sistema Bike Poa desde que teve a sua roubada no bairro Cidade Baixa. Assim como Giró, a designer Karine Cruz vai pedalando para o trabalho. Apesar da economia, ela só não se sente segura para circular à noite.
— Tenho medo de pedalar em locais onde não há ciclovia no escuro, e ter de andar junto com carros. Na calçada atrapalha muito os pedestres — relata.
O turno da noite também é o período em que mais ocorrem acidentes, de acordo com a EPTC. A maior parte acontece entre 18h e 0h.
— Acho o trânsito violento e, à noite, nem pensar em pedalar onde não há ciclovia — afirma o ciclista Felipe Fortuna.
Entre as vias com mais acidentes em 2019 estão a Avenida Ipiranga (14 registros), Rua José do Patrocínio (11), avenidas Sertório e Assis Brasil (cinco cada). Dessas, a Ipiranga e a José do Patrocínio têm ciclovia.
Segurança de entregadores por aplicativo preocupa
O crescente fenômeno das entregas por aplicativos protagonizadas por ciclistas também chama atenção da EPTC. Se nos últimos anos a bike passou a ser meio de transporte, agora ela também se consolidou como instrumento de trabalho. A multiplicação de entregadores ligou o sinal de alerta nos técnicos da empresa, uma vez que a necessidade de emprego nem sempre está aliada à experiência no trânsito. Diego Marques conta que conversou informalmente com ciclistas de aplicativo nas ruas para entender mais sobre a realidade dos profissionais e necessidades no trânsito.
— Esse público é um mercado novo, que está rodando na cidade e que não podemos dizer que não estamos vendo. Muitos deles estão em situação de risco, em velocidade muitas vezes preocupante nas calçadas, muitas vezes não compartilhando de forma harmônica com os pedestres e não utilizando as ciclovias. Com aquela ânsia e pressa da entrega que pode provocar acidentes com esse modal — analisa.
Obter renda extra foi o principal motivo para que o estudante Juliano Torchesen, 18 anos, começasse a pedalar para fazer entregas por meio de um aplicativo de pedidos de comida. Realizando esse tipo de atividade desde o começo de dezembro, ele sai à noite para trabalhar.
— Como minha escola está em greve, estou fazendo estágio à tarde e vindo "trampar" à noite. Está sendo tranquilo, ainda mais que a cidade está fazendo novas ciclovias. Isso é um ponto muito legal. Sempre andei de bicicleta nas ruas. Usava e uso para ir à escola, para o estágio. Consegui a bicicleta de um amigo e agora estou vendo como é fazer as entregas. Estou curtindo bastante — diz.
Curso online dá dicas
As dúvidas e dificuldades dos ciclistas que realizam entregas por aplicativos deram origem a um curso que será lançado em breve pela EPTC. As aulas serão disponibilizadas gratuitamente em uma plataforma online. A ideia pega carona em outro projeto desenvolvido na casa e que tem tido êxito. Lançado em 2018, o curso de ensino à distância Pedalando com Segurança é online e gratuito, com orientações e ações educativas.
— Criamos uma plataforma digital porque muitas vezes (o ciclista) não tem tempo de vir até a EPTC. Anos atrás, proporcionamos cursos presenciais e a participação foi bem inexpressiva. Partimos para a plataforma digital, que é uma tendência, e a participação está bem boa. Não só de Porto Alegre, mas também de outros Estados — destaca Diego Marques.
O curso possui 10 horas de duração, dividido em 23 aulas e uma avaliação.
A bike como propulsora de grupos de afinidade
Pedalando há cerca de um ano, Jean Rodrigues, 18 anos, costuma se deslocar do bairro Ruben Berta, na zona norte, a bairros na zona sul da Capital para visitar amigos. Ele e o amigo Vander Souza começaram a postar vídeos de suas redes sociais mostrando as pedaladas. As exibições atraíram outras pessoas interessadas em participar dos passeios, e a ideia da criação de um grupo direcionado a pessoas negras que andam de bicicleta surgiu. Depois de entrar em contato com outros ciclistas e conhecer o coletivo paulista Giro Preto, os jovens decidiram criar o Pedalada Black.
– Pra mim, era um grupo no WhatsApp. Queria juntar o pessoal negro para pedalar. Vamos escurecer as ruas! Nosso objetivo é gerar bem-estar para o nosso povo, mostrar que a gente não usa a bicicleta só para trabalhar. Na zona em que moro, tem bastante indústrias, o fluxo de bicicleta é enorme. O pessoal usa muito , mas não há ciclovia. O objetivo é mostrar que tem preto pedalando por lazer também, não só por trabalho – afirma Jean.