Visto da calçada, o Pueblo 595, na Rua Garibaldi, parece um prédio de apartamentos convencional, com garagem, portaria, e uma construção de 12 pavimentos na área recuada. Basta cruzar a porta para perceber que, assim como em um pequeno povoado — ou pueblo, em espanhol —, o local tem dinâmica própria.
A inspiração para a construção do povoado murado, que recebeu os primeiros habitantes em março do ano passado, foi internacional. Segundo Breno Saute, um dos 10 investidores, o londrino The Collective, coliving criado em 2012 e que hoje conta com três prédios — um deles em Nova York —, foi o principal exemplo.
Assim como no empreendimento britânico, os apartamentos são pequenos — têm cerca de 30 metros quadrados —, e já estão mobiliados. Na versão brasileira, há cama de casal, televisão, armários, churrasqueira, uma micro cozinha com cooktop e uma pequena mesa para refeições, além do banheiro. O aluguel, que fica em torno de R$ 2 mil mensais, engloba todas as contas exceto a luz.
A lavanderia é uma só para todos os cem estúdios — as máquinas de lavar e secar roupas funcionam com fichas. E não é o único espaço dividido por quem vive lá. As áreas comunitárias vão desde o terraço com espreguiçadeiras, de onde se vê o Guaíba e boa parte do Centro, até salão de festas, academia, piscina, cozinhas e uma espécie de sala de estar coletiva, com sofás e televisão. Uma horta de temperos é cultivada por parte dos moradores, e as reuniões de condomínio, mensais, são sinônimo de churrasco.
— Como são todos locatários, ninguém tem mais ou menos direito que o vizinho. As pessoas têm responsabilidades e compartilham suas vidas. É uma tentativa de criar um sociedade intramuros — conta Enrique Fernandez, administrador do empreendimento.
Assim como em outras comunidades, o perfil é heterogêneo — há de estudantes a profissionais de diferentes áreas, com idades entre 18 e 85 anos —, e ainda surpreende os investidores. Bastaram alguns meses, por exemplo, para que Breno percebesse que alguns dos hábitos dos moradores não se encaixavam nos planos que tinha para o empreendimento. A começar pela garagem. Com menos de 40% de aproveitamento, as vagas foram transformadas em estacionamento rotativo. Outro choque foi o destino das churrasqueiras internas: enquanto em parte dos estúdios seguem intactas, em outros viraram despensa ou vaso de plantas.
— Tem coisas que a gente vai aprendendo. Eu pensava que gaúcho tinha que ter churrasqueira, mas descobri que para um apartamento desse tamanho não precisa — diz.
Solteiros, divorciados e interioranos
Hoje, quase 80% das unidades do Pueblo estão alugadas, segundo os proprietários. Perto do Centro, do acesso à Capital e de diversos hospitais, o objetivo dos investidores é atrair pessoas que trabalham ou estudam na Região Central, além daquelas vindas de outras cidades.
Gerente de um restaurante no bairro Moinhos de Vento, Douglas Flores, 35 anos, foi o primeiro a mudar-se para o Pueblo. Natural de Novo Hamburgo, onde vivia com a família desde que seu casamento acabou, procurava por uma moradia mais perto do trabalho quando descobriu o empreendimento pela internet.
— Queria morar em um lugar onde eu pudesse conhecer pessoas. No começo, entrava no prédio e batia um pânico: não tinha ninguém. Levou uns meses até chegar mais gente. Hoje brincamos que tem três perfis: solteiros, divorciados e pessoas de fora de Porto Alegre — sorri.
A interação com os vizinhos começou tímida, em um grupo de WhatsApp. Mas festas e eventos promovidos pelos administradores catalisaram a aproximação dos moradores, que logo começaram a organizar por conta própria as confraternizações — e, por vezes, extrapolaram regras de horário e limpeza. Aos poucos, o ritmo dos eventos diminuiu, e as relações foram se consolidando. Hoje não é incomum moradores recorrerem ao grupo para pedir empréstimos — o aspirador de pó de Douglas já passou pela casa de pelo menos três vizinhos —, medicamentos ou carona. Mas também há quem só queira companhia.
— Às vezes alguém manda no grupo: "Vamos fazer um bolo?", e já vem um e diz "Eu tenho ovos!", "Eu tenho farinha!". É legal. É uma coisa que não tem em outros lugares — observa a escritora Jussara Wittmann, 50 anos.
Natural de Dois Irmãos, ela também foi das primeiras a ingressar no prédio. Procurava um lugar em que tivesse tranquilidade para trabalhar em casa, mas sem isolar-se do convívio social. Acostumada à casa cheia - vem de uma família de sete irmãos -, adaptou-se tão rapidamente ao coliving que fica à vontade para, inclusive, dar "puxões de orelha" nos vizinhos quando julga necessário.
— Caiu como uma luva para mim. Vira e mexe alguém pisa na bola, mas a gente conversa e resolve entre nós. É como família.