Desapropriado pela prefeitura para uma obra da Copa do Mundo de 2014 paralisada por falta de recursos, um terreno às margens da Rua Voluntários da Pátria, no Quarto Distrito, consolida-se como uma vila irregular na zona norte de Porto Alegre. Sem o cumprimento da reintegração de posse determinada pela Justiça, a vila cresceu e, agora, já são mais de 20 os casebres, vários deles inacabados, no local — pouco mais de um mês atrás, eram 14. Moradores estimam que mais de 50 pessoas estejam vivendo no local.
A área no bairro São Geraldo, entre as avenidas Brasil e Cairú, começou a atrair os primeiros casebres quando a duplicação da Voluntários da Pátria travou, anos atrás. Nos últimos quatro meses, no entanto, a meia dúzia de casas improvisadas multiplicou-se, dividindo espaço com verdadeiras montanhas de lixo descartado de forma irregular no local.
– Para ganhar o alimento, já é ruim. Para pagar o aluguel, é mais difícil ainda – diz Ledi Oliveira, 54 anos.
A mulher que, como boa parte dos moradores do terreno, trabalha com reciclagem, mudou-se para a área com a filha e os dois netos cerca de quatro meses atrás. Deixou uma peça que alugava na Rua Voluntários da Pátria, cujo aluguel consumia o pouco que arrecada como catadora.
Ledi conta que teve de abrir espaço em meio aos entulhos para erguer os dois casebres de madeira, ambos inacabados – diante dos rumores de reintegração, optou por não avançar com a construção. Hoje sua casa resume-se a uma peça onde há uma cama, uma televisão, uma mesa e uma geladeira que nunca foi ligada – a energia obtida da ligação irregular feita pelos moradores não é suficiente para que o eletrodoméstico funcione. Em frente ao local, há um fogão improvisado com uma chapa.
Semelhante é a situação de Débora de Mattos. Empurrando um carrinho de bebê sob o sol quente da tarde de sexta-feira passada (21), ela apontava para uma das primeiras casas que se avista da Voluntários, também pela metade. O local que parecia uma alternativa à casa da sogra, onde vivia com o marido e os dois filhos, virou sinônimo de incerteza nas últimas semanas.
– O resto (da casa) nem vou fazer. Esse lugar estava abandonado, nunca ninguém deu bola. Agora querem para quê? Se eu sair daqui, não sei para onde ir – diz.
Segundo a assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral do Município, ainda não há previsão para o cumprimento da reintegração de posse do terreno, determinada mais de um mês atrás. Conforme a PGM, a retomada da área na Voluntários estaria na "fila" de uma série de outras previstas. Há suspeitas de que a área tenha sido loteada e revendida irregularmente.
Enquanto o processo não ocorre, a multiplicação dos casebres é motivo de preocupação para moradores e empresários do bairro, que, no começo do ano, abriram um processo na prefeitura, junto à Procuradoria de Patrimônio e Domínio Público. Presidente da Associação das Empresas dos Bairros Humaitá e Navegantes, Luiz Carlos Camargo acredita que a demora do poder público em retomar o terreno tenha "motivações políticas". Ele diz que a ocupação cresceu "consideravelmente" nos últimos meses:
– Desde que houve o mandado para a reintegração, o número (de casas) só vem aumentando. Acho que isso deverá dificultar a reintegração.