O ciclista que se envolveu em incidente com o motorista de um ônibus da linha T5 no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, na semana passada, atendeu ao pedido de entrevista feito por Zero Hora e deu sua versão do episódio. Em conversa pelo Facebook, confirmou ter quebrado o espelho retrovisor esquerdo do ônibus antes do trecho da confusão mostrado em vídeo e disse lamentar ter estado ali naquele local, naquele instante. Ele concedeu a entrevista na condição de que não fosse identificado.
Como começou a confusão? O que ocorreu antes da parte mostrada no vídeo?
Eu vinha pela Avenida Osvaldo Aranha sentido Centro, e em um momento o motorista do ônibus T5 botou o seu carro contra mim, enquanto me passava. Mais à frente, passei o veículo pela esquerda, pois ele havia parado, e enquanto o ultrapassava fitei o motorista no intuito de alertá-lo sobre a minha presença, e também sobre a minha consciência da sua atitude contra mim, que encarei como uma ameaça. Após isso, numa nova ultrapassagem, o motorista fez a mesma coisa. Jogou o carro contra mim, enquanto ultrapassava. Então eu fui até a porta dianteira do carro, bati nela, e gritei para que o motorista me escutasse, mas ele não deu atenção.
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Mais à frente o carro dobrou na Rua Garibaldi, e eu dobrei junto. O motorista parou para pegar um passageiro na primeira parada, e eu parei ao lado do vidro do motorista, botei meus pés no chão, e fui questioná-lo sobre o que ele havia feito minutos antes. Ele não se mostrou nem um pouco interessado em algum diálogo. Fez sinal para que eu seguisse, num tom de desprezo, e arrancou com o veículo, novamente, o colocando contra mim. Nisso bati na lateral do carro, avancei, e quebrei o espelho retrovisor do veículo. Logo após, passei por ele gritando que ele iria ter que explicar o porquê do espelho quebrado na sua empresa. Avancei mais, e então senti que o motorista havia acelerado mais e virado o carro na minha direção. Então, para tentar escapar, eu subi na calçada e havia um caminhão estacionado na mesma, desembarcando alguns objetos.
Então, eu reduzi para passar pelo minúsculo espaço que havia sobrado na calçada, e logo após passar pelo túnel do caminhão, e alguma árvore, fui surpreendido pelo motorista fora do veículo, correndo na minha direção com uma barra de ferro, que fazia parte do ônibus, tentando me acertar golpes. Eu acelerei, desci a calçada com dificuldade, atravessei a Vasco da Gama com o sinal fechado para mim, quase sendo atropelado, subi a próxima calçada com dificuldade, e logo a desci, mais adiante na Garibaldi e, então, parei.
Percebi que meu cadeado (modelo U-Lok) havia caído, então me virei para procurar e deparei com o motorista, ainda fora do veículo, agora com uma barra de ferro numa mão e na outra meu cadeado. Então eu fui em sua direção para reaver meu cadeado, e o cidadão veio em minha direção me ameaçando com a barra de ferro do ônibus e meu cadeado. Eu parei e, quando ele se aproximou, ergui minha bicicleta, usando-a como escudo, pois achei necessário devido às ameaças. O cidadão começou a usar de sua arma no meu veiculo, acertando muitos golpes com bastante força, principalmente na minha roda dianteira, o que acabou por torná-la inutilizável. O restante da história está nas imagens.
Veja, abaixo, o vídeo da confusão que acompanha postagem do Facebook. As imagens não captam o momento do início da desavença de trânsito.
A Carris teria se comprometido a pagar os danos. O que estragou na bicicleta? A roda ou algo mais? E o celular?
Meu celular caiu no chão em algum momento e quebrou a tela totalmente. O motorista amassou um tubo (do quadro) da minha bicicleta em um dos golpes, de uma maneira que comprometeu a estrutura. Então, (o quadro) também está condenado. E o motorista levou meu cadeado alegando ser a prova contra mim.
Você é casado e é pai. Qual o impacto da exposição do vídeo? Nessas desavenças de trânsito, muitas vezes as pessoas perdem as estribeiras e depois se arrependem. Você se arrepende de ter se envolvido nessa briga?
Com certeza eu preferia não ter estado naquele local, naquele momento. Pois me expus de uma maneira muito grande, e o desfecho da história poderia ter sido muito pior. Mas se não fosse eu, seria outro ciclista. Pois isso acontece todos os dias no trânsito. O vídeo apenas veio para expor uma situação rotineira. E o que mais me incomoda é o fato de as pessoas se preocuparem mais com um espelho quebrado do que com uma vida que poderia ter sido ceifada.
A exposição desse vídeo será mais um alerta contra a violência e a intransigência no trânsito ou algo que até as fomente?
Com certeza isso fomenta o ódio numa parcela das pessoas que veem o vídeo. Basta lermos os comentários. Mas eu espero que sirva para que alguma atitude seja tomada para conscientizar as pessoas de que devemos compartilhar as ruas, não disputá-las.
O trânsito se tornou uma briga por espaços. Você acha que é possível haver essa ideia essencial de "compartilhar as ruas, e não disputá-las"? Como ciclista, faz alguma reflexão sobre o comportamento de quem anda de bicicleta na cidade? Por exemplo: há ciclistas que não usam ciclovias.
Isso de que os ciclistas não usarem as ciclovias é sempre comentado. Porém, muitas vezes as pessoas não se questionam o porquê disso. As nossas ciclovias não são preparadas para o deslocamento em bicicleta, visto que elas começam e terminam "do nada". Muitas vezes, estão na calçada tomando grande espaço dos pedestres, que também têm pouquíssimo espaço no trânsito, ou tem um veiculo impedindo o uso da ciclovia. O ciclista não é obrigado, e nem deve, andar pela calçada. Tem direito de usar a via como outro veiculo. Direito garantido por lei. O fato de um ciclista estar ou não na ciclovia não permite que o motorista atente contra sua vida. Assim como contra a de um pedestre que não atravessa na faixa. Uma coisa não justifica outra. Muitas pessoas justificam desta forma a violência, mas é como dizer que a mulher foi estuprada por usar uma "roupa provocativa".