
*Por Márlon Reis
Advogado eleitoral, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, conselheiro do Instituto Atuação, que realiza a 2ª Semana da Democracia
Os dias atuais estão marcados por um aumento na qualidade do debate sobre o grave problema da corrupção. Muitos têm buscado informação mais aprofundada sobre a aplicação das normas em temas complexos que envolvem alguns dos mais altos mandatários da República. É saudável e correto que isso esteja acontecendo.
Agora, um novo tema está provocando debate e apreensão em virtude da iminente cassação de Eduardo Cunha: a Câmara teria o poder de preservar intocável sua inelegibilidade, mesmo após concluir pela necessidade de impor-lhe a perda do mandato? O Brasil testemunhou há poucos dias inusitada decisão tomada no âmbito do Senado, reunido sob a direção do presidente do Supremo Tribunal Federal. Optou-se por cindir o inseparável, dando-se abertura a uma grande dúvida nos meios sociais.
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Diz o parágrafo único do art. 52 da Constituição Federal que, havendo julgamento de impeachment, a condenação – que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal – deverá limitar-se "à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis".
O dispositivo é claro. Trata-se de aplicar a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer função pública, seja ela provida por meio de eleições, habilitação em concurso público ou designação para cargo de livre nomeação e exoneração. Não há no dispositivo constitucional o menor traço de alternatividade. Onde não falta clareza, não há lugar para digressões. Cindido, o julgamento padece da mácula da nulidade, ao menos no que toca à não aplicação da inabilitação, consequência inafastável do impedimento.
Desse erro praticado pelo Senado nasceu outro debate, agora sobre a possibilidade de a Câmara ou o Senado, cassando um dos membros por quebra de decoro parlamentar, vir a eximi-lo da inelegibilidade que naturalmente deflui dessa decisão.
A cassação do parlamentar – senador ou deputado federal – tem assento constitucional no art. 55 da Constituição. Ali estão previstas as hipóteses de perda do mandato aplicáveis aos integrantes do Congresso Nacional. Entretanto, a CF nada dispôs quanto à limitação da elegibilidade dos congressistas. É a Lei de Inelegibilidades quem o faz, ao prever que o deputado ou senador que infringir qualquer das vedações a eles impostas pelo texto constitucional ou cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar ficará impedido de lançar-se candidato por todo o tempo que lhe restaria de mandato, acrescido de um prazo de oito anos.
Enquanto a inabilitação possui natureza jurídica de "sanção", operando como pena secundária verificada em hipótese de impeachment, a inelegibilidade possui status jurídico de "condição". Isso quer dizer que não se condena alguém a uma inelegibilidade. Ela deflui automaticamente do preenchimento de certas hipóteses negativas previstas em lei.
A inelegibilidade do parlamentar cassado não depende, pois, de decisão por parte de qualquer das casas do Congresso Nacional. Ela surge como consequência natural da perda do mandato.
Sendo assim, não é de se reconhecer ausente qualquer autoridade de qualquer âmbito do Congresso para decidir sobre a permanência da elegibilidade do senador ou deputado que venham ter os seus mandados cassados.

Semana da Democracia
De 14 a 16 de setembro, será realizada no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, a segunda edição da Semana da Democracia. Promovido pelo Instituto Atuação, o encontro reúne especialistas de todo o mundo para apresentar e debater temas como cultura política na América Latina, democracia sustentável e democracia digital. Procurador da República lotado na força tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol falará sobre as 10 Medidas Contra a Corrupção na palestra magna do evento. O advogado eleitoral Márlon Reis e os especialistas Marcos Silveira e Milena Franceschinelli (Virada Política), Rafael Poço (Update), Ronaldo Lemos (ITS), Michael Coppedge (Universidade Notre Dame), Nara Pavão (Universidade Vanderbilt), Lucy Bernholz (Universidade de Stanford), Kelly McMann (Case Western Reserve), José Frederico Lyra Netto (Vetor Brasil), Leandro Machado (Cause) e Pablo Valenzuela (Latinobarómetro) completam a programação de palestras do evento. Mais informações e inscrições no endereço zhora.co/semanadademocracia.