Ele se chama Osmar Lisboa da Silva, mas se você chegar à Ilha da Pintada pedindo por esse nome, é bem provável que nunca o encontre. Lá ele é o seu Maroca, pescador, filho de pescador e neto de pescador. Com uma desenvoltura invejável para sua idade – anuncia com orgulho que fará 80 anos no próximo 7 de junho –, apressa-se em buscar dentro da sua lancha Xispita uma sacola de plástico com pelo menos uma dúzia de álbuns de fotos antigas, em que o homem de 1m48cm se esforça para segurar nos braços um peixe maior do que o outro. E, se bobear, ainda conta a história de cada um dos "troféus".
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Mesmo sem saber ler e escrever, Maroca é um grande conhecedor da Região das Ilhas – ele pescou por mais de seis décadas no Rio Jacuí, dos 14 anos até 2015. Também é o dono do imóvel mais peculiar da área: uma casa flutuante. Há mais de 10 anos, mandou soldar uma espécie de catamarã a partir de dois tanques de petróleo adquiridos em um ferro velho. Conta que ele mesmo construiu sobre a plataforma flutuante uma casa de madeira de 32m² – e não se perdoa por ter feito apenas um cômodo para servir de cozinha e quarto, enquanto a sala ocupa dois terços da área.
A empreitada era um sonho que tinha "desde guri", justamente para poder pescar sem sair da varanda. O imóvel nunca serviu de residência para ele, sua mulher Nanci ou os três filhos, mas costumava rebocá-lo com sua lancha para "acampar" na parte do rio que bem quisesse. Também o alugou várias vezes para areeiros, outros pescadores e também para vizinhos durante as cheias.
Antes de abrir a porta da casa flutuante, Maroca adianta:
– Agora vocês não reparem, que isso aqui está uma bugiganga desgranida.
No caso, não era charme, nem maneira de dizer: realmente havia redes de pesca, caixas e outros objetos atirados por todo o lado. Mesmo assim foi possível identificar um pouco da personalidade do seu Maroca, que tem mania de recolher coisas e expô-las como decoração.
– Se eu achar um negócio que me agrada eu já "dipenduro" aí – conta.
Isso provavelmente explica a base de carregador de telefone sem fio que pregou na fachada da casa e a cabeça da mônica que enfeita a proa do seu barco – encontrou o pedaço de boneca nas águas do Jacuí e expôs no topo de uma estaca.
O pescador amarrou sua casa flutuante mais ao norte do arquipélago, junto ao sítio de um amigo, porque o vento fazia a estrutura bater contra a orla na Ilha da Pintada. Leva mais de uma hora de viagem para ir e outra parta voltar a bordo da "Xispita", que é movida por um motor a óleo e tem uns 40 anos muito bem usados. Mesmo assim, faz o percurso toda a semana para visitar a casa – e ali fica por dias.
A ideia de Maroca é pintar a estrutura, para tentar vendê-la. Pensa em deixar dinheiro para os filhos e os netos, em caso de que algo aconteça. Mas isso é só precaução mesmo, porque a julgar pela agilidade com que desamarra a "Xispita" e corre por cima das canoas, ainda arranjará muitas histórias de pescador para contar.