
No Centro Histórico, na Rua Marechal Floriano Peixoto, 108, tem um porto seguro, um lugar de repouso. Pode ser que as pessoas que passam na frente do edifício de 11 andares, construído na década de 1940, muitas vezes nem percebam, mas ali fica o "Prédio dos Sonhos" de Porto Alegre.
O edifício surgiu de muitas mãos, de cimento e da coragem de Vitor Freiberg, que é o fundador do Instituto Pertence, ao lado de Sarita Zinger.
Em maio de 2024, no meio do caos, da chuva, das cidades alagadas, a equipe do instituto só pensava em ajudar as famílias atingidas. Acostumados a conviver com os desafios dos atípicos, Freiberg, Sarita e a equipe de cem pessoas do Pertence começaram a trabalhar nos primeiros dias da enchente.
O desafio inicial era mapear onde estavam essas pessoas nos abrigos. Depois de encontrá-las e descobrir quais doações precisavam, a busca por lugares específicos para esse público era urgente. Uma criança autista, por exemplo, tem dificuldade de permanecer num abrigo cheio de gente, com barulho, luzes e sem rotina.
Freiberg, então, encontrou um prédio que antes abrigava um hotel, no Centro Histórico, e estava fechado. À época, empreendedores de todo o país ajudaram e contribuíram. Arquitetos e engenheiros voluntários fizeram as adaptações necessárias. Ao todo, foram reformados 27 apartamentos para moradia. Outros cinco são usados como sala da administração, lavanderia coletiva, sala de treinamento e de convivência.
— Isso nasce de um desafio, de a gente perceber uma necessidade: olhar para onde ninguém olhava — afirma Freiberg.
Esta reportagem faz parte da nova fase do movimento Pra Cima, Rio Grande, do Grupo RBS.

Peregrinação
Em maio, Maria Senilda fugia do avanço da água com a filha Sara, que tem Síndrome de Down. Sara saiu de casa com a mãe no bairro Harmonia, em Canoas. As duas passaram por quatro endereços até chegar ao prédio. Ficaram à deriva durante dois meses. Maria Senilda cogitou voltar para o Interior, onde nasceu.
Foi então que elas chegaram ao "Prédio dos Sonhos", no apartamento 704.
Senilda é líder comunitária, pedagoga e morava em Canoas havia 47 anos. Lá, mantinha um projeto social com time de futebol, oficinas de teatro e leitura. A casa em que vivia ficou cheia d'água durante um mês e, depois da enchente, foi considerada inabitável.
A pedagoga tem três filhas, dois netos, é mãe solo e ficou emocionada com a forma pela qual foi acolhida.
— Só agradeço ao Pertence, como mãe atípica nunca vi nenhum projeto que acolhesse com tanto carinho as mães. O cuidador precisa de olhar.
