Quando o nome de Lucíola Maria Inácio Belfort, 38 anos, foi anunciado nos microfones do Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para receber o diploma de médica, na noite de sexta-feira, uma nova parte da história da principal universidade federal do Estado estava sendo escrita.
Lucíola é a primeira indígena a se formar em Medicina na instituição e está entre os cotistas que ingressaram em 2008, os precursores no programa de ações afirmativas - nome dado às políticas em benefício a grupos discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica no passado ou no presente.
Caingangue, Lucíola, ou Nivãn, nome pelo qual é chamada entre os de sua etnia, faz parte de uma parcela de estudantes universitários que, a partir da reserva de vagas para egressos de escolas públicas e autodeclarados pretos, pardos e indígenas, chegou ao ensino superior gratuito. Hoje, eles são cerca de 9 mil entre os 30,7 mil estudantes dos 93 cursos da UFRGS.
Até terça-feira, o Diário Gaúcho apresentará as mudanças que as ações afirmativas já estão causando nas diferentes esferas que circundam os cotistas: da sala de aula à vida.
Resistência dos colegas
No início do curso, em 2008, por ser a única estudante em cota racial, já que naquele ano não entraram cotistas autodeclarados negros, Lucíola foi o alvo das manifestações dos colegas de curso. Viu seu nome em protestos nas redes sociais.
- Me enviavam mensagens dizendo que eu não deveria estar lá, que havia tirado a vaga de outra pessoa. Teve um ato na universidade para os colegas me entregarem o jaleco, e os professores e alguns veteranos se retiraram em protesto - recorda.
Quando a UFRGS criou o acesso aos indígenas, as vagas destinadas a eles não faziam parte das já existentes. E isso ocorre até hoje. As dez vagas anuais destinadas aos indígenas são escolhidas por uma comissão formada por caciques das aldeias gaúchas e representantes da universidade.
- Se eu tivesse 19 anos, teria desistido ali mesmo. Mas resisti até o fim, como minha mãe me ensinou - lembra.
"É uma porta que está se abrindo, e todas as propostas que me possibilitarem crescer, eu vou aceitar!"
Lucíola Maria Inácio Belfort
A Revolução das Cotas
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