Porto Alegre, Praça da Matriz, 17h de uma quinta-feira. Um homem estaciona seu veículo nas imediações do Theatro São Pedro, em uma Área Azul, e quando está pagando na máquina um flanelinha cola em seu ouvido e exige que ele deixe R$ 5. Caso contrário, "alguma coisa" pode acontecer ao carro. Acuado e com pressa para resolver o que precisa, o homem acaba gastando duplamente - com o Estado e com o achacador. Para "não se incomodar", ele prefere não dar entrevista.
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A cena, tão comum no cotidiano de Porto Alegre, foi flagrada ontem pela reportagem. Ao perceber que foi filmado, o flanelinha corre em direção ao veículo de ZH em tom ameaçador e pergunta por que foi gravado. Ele pertence ao contingente, estimado pela própria prefeitura, de 1,5 mil pessoas, que não contribuem com impostos, não têm uma profissão regularizada e costumam coagir e lotear as ruas da Capital.
Em apenas uma quadra, eles chegam a se dividir em três para não deixar o condutor escapar. ZH percorreu os bairros Cidade Baixa, Menino Deus, Azenha, Centro e Farroupilha para analisar se o decreto, assinado em 2011 pela prefeitura para regularizar a profissão de guardador de veículo, funciona. O resultado é previsível: sem qualquer fiscalização policial, o achaque ocorre livremente e prejudica até mesmo os cerca de 100 profissionais legais.
- A cada dia aumenta a informalidade. Achamos que isso deve acabar, sim. Porém, não temos o poder de pressionar e exigir fiscalização efetiva. É a Brigada Militar a responsável - afirma a secretária do Trabalho da Capital, Luiza Neves. De acordo com ela, até o final de 2015 o número de guardadores de veículos cadastrados deve subir de 100 para 500.
"Eles vêm virados de qualquer coisa"
Sadi Feliciano Martins é conhecido no Espelho D'Água, no Parque da Redenção. Ele é o guardador "oficial" da área e trabalha regularizado desde que o decreto foi assinado. Apesar de não entregar tíquetes aos condutores, uma das exigências da lei, ele espera contribuições espontâneas e diz que é respeitado justamente por não achacar. Sadi é contra os flanelinhas e relata como fica a área da Redenção, especialmente nos finais de semana:
- Eles (informais) chegam de manhã, virados de qualquer coisa, e encostam. O mais forte domina. Muitos carros passam reto porque virou 'frescura' isso. Policiamento não tem. Os clientes reclamam e ninguém faz nada.
A Brigada Militar argumenta que a própria população alimenta a informalidade ao adotar certos flanelinhas, pagando por serviços como lavagem. O comandante de Policiamento da Capital, tenente-coronel Mário Ikeda, diz que no momento do achaque, a pessoa lesada deve ligar para o número 190 e informar o local exato do crime:
- De uma maneira genérica, se não tiver alguém reclamando, não se pode fazer ocorrência policial. Só que isso pouca gente faz. Tem muitas pessoas que dão dinheiro e incentivam a prática. Tem os que acabam criando o vínculo, especialmente nas áreas centrais.
A profissão de guardador de veículos é previsto em lei federal, mas é responsabilidade dos municípios criar normas específicas para a atuação deles. Em algumas cidades, como Novo Hamburgo, por exemplo, ela é proibida.
As regras legais
- A contribuição pelo trabalho do guardador é espontânea, sem um valor fixo
- É obrigatória a entrega do tíquete ao motorista
- O flanelinha deve se apresentar ao serviço barbeado, limpo, em perfeitas condições de higiene
- O uniforme padrão, com camisa por baixo do jaleco, é obrigatório
- O guardador deve portar o crachá de identificação em dia e a carteira profissional
- Em eventos com horário marcado, ele deve permanecer até uma hora após o término
- Será infração gravíssima prestar serviço alcoolizado