As poucas informações sobre o projeto de revitalização do Cais Mauá estão deixando parte dos porto-alegrenses apreensivos: grupos têm se organizado para exigir debate maior sobre o projeto, participação no processo e até mudanças na proposta - embora a Lei 638, que estabeleceu as regras de uso do cais, tenha sido aprovada em 2010 após audiências públicas na Câmara Municipal.
Para hoje, às 19h, na Rua Sepúlveda, em frente ao pórtico central do cais, um desses grupos organizou um encontro para debater a revitalização daquela área. O coletivo Cais Mauá de Todos, que conta com comunicadores, sociólogos, arquitetos e urbanistas, propõe uma intervenção que mantenha as características históricas e afetivas do lugar dos 2,5 quilômetros da orla.
- Esse debate precisa ser aberto à população. A proposta atual que temos para o cais foi fruto de um processo mais político do que técnico. Esse projeto não pode simplesmente cair de paraquedas sem que a população se aproprie - afirma o sociólogo João Volino, um dos porta-vozes do grupo.
No evento, que terá shows musicais, o coletivo pretende apresentar, com apoio de advogados, uma série de problemas no processo de revitalização em andamento. Embora tenham preferido não adiantar o que será mostrado, as supostas irregularidades seriam no cumprimento do contrato por parte da Porto Cais Mauá do Brasil - o consórcio que obteve o arrendamento da área por 25 anos, renováveis por outros 25, e que tem a obrigação de retornar os bens construídos ao município ao fim da concessão. Haveria descumprimento de prazos e a falta de capacidade financeira para suportar as garantias exigidas em contrato. Apesar de ser realizado em uma via pública, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) diz não ter sido informada sobre o evento - o que é necessário para ações que interferem no trânsito.
Guindastes são retirados do Cais Mauá
A reforma está no aguardo da aprovação do relatório de impacto ambiental (que está "na fase final" pelo menos desde fevereiro) para avançar às fases seguintes. O início da obra ocorreu no final de 2013, com previsão de conclusão de pelo menos 11 armazéns para um ano depois. As construções paralisaram após os trabalhos de demolição de estruturas anexas aos armazéns originais, que não são tombadas e não faziam parte do desenho original do porto.
Consórcio esperava concluir reforma em quatro anos
Cais recebeu festas durante a Copa do Mundo
Prefeitura diz que não serão feitas alterações
O Secretário do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades) do município, Edemar Tutikian, diz que a revitalização segue todos os trâmites legais previstos em lei e que não se pode mais questionar algo que foi aprovado pelos vereadores com, segundo ele, audiências públicas lotadas.
- Não haverá mudanças nos projetos porque eles são frutos de uma concessão oriunda de uma licitação pública legal e correta, totalmente acompanhada pelo Tribunal de Contas e Ministério Público. Se os projetos da empresa estiverem dentro das regras previstas na Lei 638, serão aprovados - afirma.
Indagada sobre possíveis modificações no projeto e sobre as demandas dos movimentos sociais de participar do processo, a empresa Porto Cais Mauá do Brasil diz que não se manifesta, e que todas as informações disponíveis estão em seu site oficial.
Perguntado se não é tarde para esse tipo de manifestação, Volino disse que o importante é esclarecer o projeto:
- Questionamos a transparência e a participação popular nas decisões. Queremos a revitalização, para usufruto de lazer, cultura, comércio e gastronomia, mas queremos debate com a sociedade.
Menos espaço para automóveis
Ontem, na faculdade de Arquitetura da UFRGS, a arquiteta Helena Cavalheiro apresentou o projeto que é visto como um exemplo de bom uso do espaço público pelos ativistas do Cais Mauá de Todos.
O trabalho foi feito em 2008, para a conclusão de sua graduação, mas só agora ajudou a fomentar o debate proposto pelo coletivo. Entre as principais diferenças para o projeto em curso, está uma solução alternativa para o muro de contenção e a redução no espaço de automóveis para maior integração entre a Avenida Mauá e os armazéns.
- Para haver uma real integração do cais com a cidade é preciso um tratamento de espaço aberto, não apenas ocupar os armazéns. É preciso qualificar também a avenida para que se permaneça na área - defende Helena.
Outra proposta do projeto da arquiteta é construir um parque no local onde estão previstos, pelo projeto da Porto Cais Mauá Brasil, um shopping de 25 mil metros quadrados (para 180 lojas) e o estacionamento com 2.386 vagas.
Para o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Tiago Holzmann, o problema mais grave, no entendimento da entidade, é que a cidade abriu mão de decidir a respeito do projeto.
- O projeto da Helena não tem a pretensão de ser algo que substitua o atual, mas é uma maneira de provar que até um estudante consegue propor algo interessante para aquela área. Nunca vimos o projeto da revitalização. Houveram apresentações políticas, não técnicas - aponta Holzmann.
Questionado se houve debate suficiente sobre os projetos apresentados pelo consórcio, Edemar Tutikian voltou a dizer que as discussões foram feitas antes do lançamento do edital.
- As exigências foram amplamente discutidas dentro do próprio IAB-RS, do Conselho Municipal do Plano Diretor, em todos os conselhos da prefeitura, os conselhos inerentes ao governo do Estado na época. Então, como que não houve debate? A lei é válida ainda - explica.
Área do cais não apresenta movimentação de obra. Foto: Ronaldo Bernardi
Obra começou com demolição de estruturas
Leia todas as notícias sobre Porto Alegre
ANDAMENTO DO PROJETO
Confira alguns dos últimos passos da revitalização do cais:
2010
Julho
O governo do Estado lança edital para escolher a empresa que irá reformular o cais. Vence o Porto Cais Mauá, de espanhóis e brasileiros.
Dezembro
A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) contesta na Justiça a licitação, alegando que a regulação é federal, e não estadual. Apesar do impasse com a Antaq, a então governadora Yeda Crusius (PSDB) assina contrato de 25 anos com o consórcio vencedor.
2011
Janeiro
O novo governador, Tarso Genro (PT), decide dar continuidade ao projeto e negocia solução com a Antaq.
Agosto
Em acordo com a Antaq, o governo prevê retirada da ação judicial quando o Piratini assinar um aditivo ao contrato.
9 de novembro
O governo e o consórcio assinam aditivo ao contrato firmado havia um ano.
23 de novembro
A posse da área é entregue pelo Estado ao consórcio Porto Cais Mauá. Início das obras é previsto para março de 2012.
2012
Janeiro
Começo das obras é adiado para agosto, o que também não se confirma.
2013
Abril
Representantes do consórcio entregam a Fortunati o projeto de restauração.
17 de junho
A revitalização é autorizada.
21 de outubro
A autorização da Antaq é publicada no Diário Oficial da União, o que libera oficialmente o início das obras.
12 de novembro
O início das obras é anunciado em uma cerimônia no local.
2014
Janeiro
Estruturas não tombadas se encontram em processo de demolição.
2015
Fevereiro
Andamento das obras aguarda liberação de licenças para fases seguintes.