Frequentar os parques de Porto Alegre tem sido uma missão recheada de receio, seja de dia ou de noite. A sensação de insegurança é acompanhada por falta de iluminação, parquinhos infantis sujos, vegetação malcuidada e vestígios noturnos, como preservativos usados. Esse é o cenário, por exemplo, no Parque Farroupilha (Redenção).
- A prefeitura sequer troca a areia dos parquinhos, animais urinam ali, podem transmitir toxoplasmose às crianças. Olhe o estado dos vegetais, eles precisam ser renovados. A ideia de cercar a Redenção demonstra o caos em que estamos. Estamos perdidos. Não se vê guarda. Alguém tem de cuidar da população - aponta o integrante do Conselho de Usuários da Redenção Roberto Jakubaszko.
A moda mais recente é roubar telefone celular de quem corre no entorno da Redenção, principalmente às margens da Avenida João Pessoa, a qualquer hora do dia. Desde muito tempo se fala sobre o cercamento com grades por causa da criminalidade, medida defendida por grande parte dos policiais que trabalham na região. A maioria dos integrantes do conselho de usuários, entretanto, é contrária ao cercamento físico, afirma Jakubaszko.
O cercamento físico do parque está praticamente descartado no governo municipal. Segundo o vice-prefeito Sebastião Melo, a decisão depende de aprovação popular.
- A prefeitura não tem intenção de chamar um plebiscito - salientou Melo.
Aposta em câmeras de segurança
A Redenção começou 2015 sendo palco do estupro de uma jovem à luz do dia, em 10 de março, do assassinato de um homem, encontrado enforcado em fevereiro, de depredações e de incêndios inexplicáveis de palmeiras e de quiosques de alimentação.
A principal aposta da prefeitura para aumentar a segurança é o cercamento eletrônico com 21 câmeras - além das seis existentes -, prometido para 2012 e agora previsto para sair do papel até o final deste ano. O projeto (ao custo de R$ 1,5 milhão) inclui os equipamentos da Redenção e outras nove câmeras para o Parque Marinha do Brasil, conforme o secretário-adjunto da Segurança municipal, João Helbio. Devido à escuridão, o Marinha também se tornou esconderijo de assaltantes, como os que mataram um trabalhador que saía do Shopping Praia de Belas, no início de março.
ZH visitou a Redenção em diferentes dias, durante o dia e à noite, nas últimas semanas. Leia abaixo o relato.
Criminalidade à luz do dia
Às 14h30min da última quarta-feira, três jovens de mãos cruzadas atrás da cabeça eram revistados por policiais da Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas (Rocam) perto dos tapumes da obra no espelho d'água. Os PMs procuravam drogas na abordagem de rotina. Todos os dias eles encontram entorpecentes e facas, que são utilizadas em assaltos.
- Com a obra está mais fácil para eles se esconderem - observou o soldado Ricardo Simas, do 9º Batalhão de Polícia Militar.
Menos de uma hora depois, dois jovens foram algemados e deitados no chão próximo à Avenida José Bonifácio. Policiais da Rocam os haviam abordado e, ao revistá-los, encontraram um revólver calibre 32. Um deles tinha tatuagens de lágrimas no rosto, o que significa que integra a facção dos Bala na Cara.
Um homem que passava pelo local disse ter testemunhado um dos suspeitos perseguindo mulheres. A dupla foi encaminhada ao Palácio da Polícia.
A situação da Redenção levou o delegado que cuida da região a um desabafo. Há 35 anos na função, o titular da 10ª Delegacia da Polícia Civil (DP), Abílio Pereira, diz estar muito "pessimista" diante do prende e solta de bandidos:
- A Redenção é onde tem mais assaltante e vagabundo por quilômetro quadrado em todo o Estado brasileiro. Está fora do controle. Nunca me senti tão impotente em toda a minha vida.
A 10ª DP registra cerca de cem ocorrências todo mês na Redenção - são mais de três por dia. No entanto, há quem sequer registre os incidentes. Por isso, o número deve ser pelo menos 50% maior, calcula o delegado.
Diretor do Departamento de Polícia Metropolitano (DPM), o delegado Marcelo Moreira da Silva cita as leis brandas como incentivo ao crime. Mas, para ele, "a falência da família é o início de tudo":
- As pessoas não têm família, a escola não exerce um papel, e aí sobra para a polícia. Hoje, quando perguntamos a um delinquente qual a profissão dele, grande parte já diz: ladrão. Ladrão virou profissão.
O Lado Escuro da Redenção
Os tapumes que cercam o espelho d'água e o chafariz criaram uma divisão no Parque Farroupilha. De um lado fica o setor mal iluminado. De outro, o sem luz.
O breu se criou, ironicamente, devido a obras que prometem dar mais luz ao parque. Até o final de abril, a Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) pretende inaugurar o novo sistema de iluminação.
A reportagem de ZH adentrou a escuridão às 22h30min de 10 de março. No lado escuro, é impossível enxergar sem uma lanterna ou na ausência dos reflexos rápidos dos faróis dos carros que passam pela Avenida Setembrina. O som de passos e de roçadas nos vegetais indica que, sim, há gente circulando. São exceções que não temem o escuro.
- Tem outras coisas para se ter medo aqui - afirmou um homem que acabara de sair do interior obscurecido do parque.
Uma semana depois da primeira incursão, ZH adentrou os pontos mais obscuros da Redenção na companhia de guardas municipais que há anos circulam pela área e conhecem seus recantos e frequentadores. Alguns homens que protagonizam programas sexuais há décadas no local viram a segurança se deteriorar na região ao longo do tempo.
- Antes, não havia ataques homofóbicos. Olha o meu braço - disse Giovani Alves, 47 anos (há 28 faz programas no parque), apontando para um longo corte feito por faca.
À beira da Avenida José Bonifácio, os bancos recebem usuários e traficantes de drogas. É comum ver jovens acendendo cachimbos improvisados para fumar crack. Naquela noite, perto dos taquarais, pessoas realizavam ou negociavam programas. Adiante, uma travesti conversava, praticamente nua, com um morador de rua. Os guardas municipais pediram que ela se vestisse, e houve uma pequena discussão.
Do outro lado da Redenção, junto ao laguinho, um homem que se prostitui há mais de 10 anos no parque contou que leva suas coisas em um saco plástico e o deixa escondido. Traja o mínimo: uma bermuda e camiseta justas. Calça chinelos. Tudo para evitar assaltos: há poucos anos, fraturou o braço ao fugir de criminosos.
- Sempre teve violência, só que agora o mundo está pior - avaliou.