* Músico e jornalista
Eu devo muito ao Carlos Branco.
Em 1992, por aí, ele era coordenador de música da all star secretaria de Cultura montada pela prefeitura do Olívio. E uma das suas tantas empreitadas foi a criação de uma série de fascículos acompanhados de CDs contando a História da Música de Porto Alegre. Eu era do Conselho Editorial e fui encarregado por ele do primeiro lançamento: As Origens, que cobriria desde os primeiros açorianos aqui abandonados em meados do século 18 até a falência da Casa A Electrica, ao final de 1923 - segunda gravadora com fábrica da América Latina, onde se gravaram os mil títulos dos Discos Gaúcho.
- Mas Branco, eu não sei nada disso.
- Tu sabe bastante de música brasileira dessa época, já é um bom ponto de partida.
Foi. Trabalhei mais de um ano e escrevi o folhetinho de algumas dezenas de páginas, que acompanhava o CD que também tive a alegria de produzir - cuja maior atração eram as gravações da Electrica, revividas 70 anos depois, e as faixas gravadas especialmente para o disco pela Orquestra Geriátrica, que montamos Hardy Vedana e eu, com músicos que tinham então entre 60 e 90 anos, tocando uma dezena de composições escritas em Porto Alegre entre os anos de 1870 e de 1920.
Foi lindo, a tiragem foi pequena, esgotou-se logo e hoje ninguém tem.
Passam-se os anos, o Branco resolve ganhar dinheiro, no que foi muito bem-sucedido e, já na Branco Produtora, um dia me propõe:
- E se pra marcar o final do milênio a gente fizesse um trabalho sobre esses 100 Anos de Música no Rio Grande do Sul? Um livro de umas 300 páginas contando o século que vai acabar, mais uns CDs com as 100 músicas mais representativas?
Opa!, pensei eu. Moleza! Já tenho até 1923, e posso usar as matérias feitas em meus tempos de repórter do Caderno ZH Zona Norte, que a Zero Hora manteve por anos na virada dos anos 1980 pros 1990. Tinha feito ali longos textos sobre o rock do IAPI (Liverpool e Bixo da Seda) e, claro Elis Regina, a mais famosa filha da Zona Norte.
Não foi moleza.
Dois anos de trabalho pra preencher os espaços em branco. Mas saiu o objeto: livro em formato de CD, com quatro disquinhos. Novamente em tiragem não comercial, distribuído como brinde por uma estatal (até hoje muitos me falam nos discos, quase ninguém comenta o texto...). Infelizmente tão esgotado quanto a série que fizemos na Prefeitura - que, obviamente, foi parando quando as administrações foram mudando e ficou em uns poucos fascículos.
Só que aí eu já tinha sido mordido pelo bicho que me acompanha até hoje. O bicho que me faz escrever, obsessivamente, Uma História da Música Popular de Porto Alegre. Milhares de páginas escritas, várias centenas de entrevistas, outras centenas de livros, incontáveis sites, milhares de discos. Embestei: isso precisa virar um livrão de milhares de páginas. Ou uma série de TV.
É quando entra o Renê Goya.
Estávamos então lá por 2002 e, pelos 10 anos seguintes, eu segui escrevendo, e o Renê tentando captar grana pro projeto. Enquanto isso, ele ia aumentando seu inacreditável acervo de imagens sobre a música da cidade.
Ano passado, finalmente, graças a um edital da TVE, rolou. Prolixos e delirantes, gravamos durante 12 meses dezenas de horas de material que teriam de ser resumidas em quatro programas de menos de meia hora - milagre só atingido graças à entrada do Daniel Dode, roteirista, montador e um homem de fé. Apresentados os programas na TVE (atualmente sendo reprisados), fizemos uma edição prévia em forma de filme, e é isso que temos mostrado, volta e meia, no Santander (e logo em outros cinemas). Mas há material para pelo menos uma série ou uma caixa de DVDs. Isso eu garanto.
Por exemplo: mais de uma hora de entrevista com o Musical Saracura - Nico Nicolaiewsky, Silvio Marques e Fernando Pezão -, dias antes de o Nico ficar doente. Muitas horas do incrível encontro da turma dos Conjuntos Melódicos dos anos 1950, reunidos a tocar e falar horas a fio no Café Fon Fon (entre 80 e 90 anos, alguns deles - como o maestro Tasso Bangell e o pianista Breno Sauer não se viam desde 1956). Uma longa entrevista com Nelson Coelho de Castro e Bebeto Alves em que o Nelson largou uma daquelas suas frases tão, mas tão bombásticas, que um raio caiu do nada e quase explodiu a gente. Torçam pra conseguirmos de alguma forma botar isso tudo na roda.
Bom. Aí vem o Branco de novo:
- Ô Arthur: tu não quer fazer um show resumindo esses 100 anos de música pra gente apresentar no Santander, completando a exibição do filme?
Claro, né? E imediatamente pensei em dois parceiros de longuíssima data, opostos e complementares na canção do sul: Marcelo Delacroix e Wander Wildner. Fechar em 15 músicas não foi tão difícil quanto eu achei que seria: todas são - ou foram, à sua época - hits absolutos da cidade, cantadas ou assoviadas à larga pelos que coabitamos esse tempo e esse espaço por vezes tão concreto, por vezes tão vago chamado cidade.
Nossa cidade.
Porto Alegre.
Tão cheia de miséria e maravilha como qualquer outra. Mas com nossas misérias e as nossas maravilhas, cantadas em verso e melodia.
É isso que vocês vão ver no Santander.
Eu devo ou não devo muito ao Carlos Branco?
P. S. Pra conferir o trabalho do livro em andamento: facebook.com/MusicaPopulardePortoAlegre
100 ANOS DE MÚSICA no RS
- Arthur de Faria, Wander Wildner e Marcelo Delacroix
- Quarta-feira, dia 28, às 19h, no hall do Santander Cultural
- Ingressos a R$ 12.