Icônico político gaúcho, líder de uma escola doutrinária do MDB que formou governadores, prefeitos e senadores, Pedro Simon celebrou os seus 95 anos nesta sexta-feira (31) com festa ao lado de amigos, familiares e companheiros de partido em Capão da Canoa, no Litoral Norte. Eram 20h07min quando ele chegou ao local da comemoração em cadeira de rodas guiada pelo filho e ex-deputado Tiago Simon.
Embora tenha passado o tempo todo sentado, segurava uma inseparável bengala. Lúcido, distribuiu sorrisos que encheram as maçãs do corado rosto ao perceber a recepção calorosa. Em entrevista a GZH após as homenagens, repassou mais de seis décadas de vida pública, desde a resistência democrática à ditadura militar até os tempos de governador do Rio Grande do Sul e os anos de louvor e desilusão no Senado.
— A caminhada valeu a pena. Tivemos uma batalha contra a ditadura. Ela foi dramática. Foram anos de terror, cassação, prisão, morte, tortura e sofrimento. Um general atrás do outro. O povo brasileiro resistiu. Quando penso o que sofremos, o que o povo sofreu, e vejo até onde chegamos hoje, com um Constituição limpa, o Congresso funcionando, a Anistia aprovada, eu fico emocionado. Que povo corajoso o nosso — refletiu Simon, em fala pausada.
Ele é daquelas lideranças que respiraram política por toda a vida. Todos os dias. Na sua manifestação aos correligionários, Simon disse, bem-humorado, que está "acabado" aos 95 anos, mas manteve a porta aberta para continuar como oráculo.
— Já fiz tudo o que tinha para fazer, mas estou à disposição do meu partido. Cargos já ocupei e não necessito. Precisamos dar as mãos para essa caminhada, junto dos jovens, dos trabalhadores, para reconquistarmos a plenitude democrática — afirmou o ex-senador.
Sobre o atual momento do Brasil, que passou por uma tentativa de golpe no início de 2023, Simon avaliou:
— Não vai ser meia dúzia de irresponsáveis, sem espírito público, que irá tirar o Brasil do rumo democrático.
Ex-governador do Rio Grande do Sul, somou mais de 60 anos de vida pública. É a maior liderança da história do MDB gaúcho. Inconteste. Marcou época no Senado Federal, onde teve quatro mandatos e disparou discursos emblemáticos pela moralidade na política, como no processo de aprovação da Lei da Ficha Limpa.
— Uma contribuição do Simon muito expressiva e não lembrada é a atuação dele, à época do Senado, como líder do governo Itamar Franco. Ele conduziu no Legislativo a implantação do Plano Real, uma grande mudança na economia do país. E fez isso sem o 'é dando que se recebe'. Foi com muito diálogo — afirma Odacir Klein, amigo, secretário da Agricultura de Simon no Rio Grande do Sul e companheiro de MDB de longa data.
O Senado, onde contribuiu no governo Itamar, também foi o palco em que Simon sofreu derrotas e frustrações: jamais conseguiu realizar o sonho de presidir a Casa, isolado pelos caciques nacionais do MDB. Bloqueado historicamente pela força de outras lideranças do partido, como o seu amigo Ulysses Guimarães, nunca conseguiu concorrer à Presidência da República.
— Se as teses do Simon tivessem sido vitoriosas lá atrás, o Brasil não seria esse mar de lama — queixou-se Cezar Schirmer, que foi secretário de três pastas do governo Simon no Estado, incluindo a Fazenda.
Se Schirmer lamentou, o ex-senador e ex-prefeito José Fogaça fez uma ode à democracia e bradou o ensinamento de "esperança" demonstrado por Simon.
— Quando a democracia é ameaçada, ainda estamos aqui e quem nos inspira é esse homem — afirmou Fogaça, resgatando a resistência democrática do velho MDB, liderado por Simon no Estado, à ditadura militar.
Nos anos 70, como deputado estadual, Simon coordenou uma comissão que articulou a vinda do terceiro Polo Petroquímico do Brasil para Triunfo (RS). Uma planta que, até os dias atuais, é um dos motores da economia. Como governador, na segunda metade da década de 80, tocou a pavimentação da Estrada do Mar, a inauguração da Casa de Cultura Mario Quintana e a modernização do Fundopem, programa de incentivo fiscal para a atração de investimentos.
À época do Palácio Piratini, também enfrentou dissabores: uma greve de mais de 90 dias do magistério, deflagrada porque a gestão dele não conseguiu pagar um reajuste salarial deixado pelo antecessor Jair Soares (PP), além de fugas, dramáticos motins e até mortes de reféns no sistema prisional.
Simon se notabilizou pela resistência democrática à ditadura militar, culminando na campanha pelas Diretas Já. Ele teve berço trabalhista na política: seu primeiro partido foi o velho PTB, pelo qual se elegeu vereador de Caxias do Sul em 1958. O senador Alberto Pasqualini, trabalhista, era uma referência ilustrada para o jovem Simon. Em meados da década de 60, com o bipartidarismo instalado pelo Ato Institucional número 2, ele optou pelo MDB. Sempre rejeitou a resistência armada. Esse foi um, dentre outros motivos, que o levaram a ter divergências com o histórico caudilho Leonel Brizola.
Simon fez oposição ao regime militar por dentro do sistema, com o exercício de mandatos parlamentares, sem ser cassado, preso ou exilado. Foi ali que forjou a característica de agregador: quando entendia necessário, mantinha diálogo com o governo militar, como no caso das articulações do Polo Petroquímico. Essa postura, reconhecida por muitos como patrimônio político, também lhe rendeu críticas no processo histórico. Aliados fervorosos da ditadura consideravam Simon e o MDB conspiradores, enquanto a esquerda os acusava de serem conciliadores com o governo militar.
A veia de radical de centro, que ficaria cunhada mais adiante, ajudou a moldar discípulos como Fogaça e os ex-governadores Germano Rigotto e José Ivo Sartori, ambos presentes à festa.
— O legado de Simon não é só de agregar líderes e aglutinar, mas trabalhar como exemplo de ética e dignidade — descreveu Rigotto.
A festa aconteceu no Kaza Garden, junto ao pórtico de Arroio Teixeira, praia que pertence a Capão da Canoa. O prato principal foi o típico churrasco gaúcho, com suculentas e macias janelas de costela assadas em fogo de chão. O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, outra liderança recrutada por Simon para o MDB no final da década de 70, compareceu e discursou.
— O senhor nos ensinou a fazer política olhando para quem mais precisa — disse Melo.
Dentre lideranças políticas, militantes, familiares e amigos, havia cerca de 300 pessoas no local. Além de Tiago, estiveram presentes o outro filho Pedrinho e a esposa Ivete. O vice-governador Gabriel Souza, uma das principais figuras do MDB gaúcho atualmente, está em viagem oficial ao Exterior e prestou homenagem em vídeo.
Trajetória de Pedro Simon
- Filho de imigrantes libaneses, nasceu em Caxias do Sul. É advogado com especialização em Direito Penal.
- Em 1958, pelo antigo PTB das origens trabalhistas, foi eleito vereador em Caxias do Sul.
- Foi deputado estadual entre 1963 e 1978, em quatro mandatos consecutivos.
- Eleito senador pela primeira vez em 1978. No decorrer do mandato, entre 1985 e 1986, se licenciou por cerca de um ano para ser ministro da Agricultura do governo do presidente José Sarney.
- Em 1986, foi eleito governador do Rio Grande do Sul.
- Voltou ao Senado Federal em 1991, onde permaneceu até fevereiro de 2015. Foram três mandatos consecutivos. O quarto se considerada toda a vida pública.
- Disputou o pleito de 2014 ao Senado após Beto Albuquerque (PSB) deixar a candidatura da chapa para concorrer a vice-presidente da República. Simon acabou em terceiro lugar e não se reelegeu. Foi a última eleição disputada por ele.
- Nas eleições presidenciais de 2010 e 2014, Simon apoiou Marina Silva, com quem construiu uma amizade à época. Naqueles pleitos, Marina concorreu pelo PV e, depois, pelo PSB. Mais tarde, em 2018, Simon afirmou que obedeceria à decisão do MDB gaúcho e daria um "apoio crítico" a Jair Bolsonaro, então no PSL, no segundo turno da disputa presidencial. Na ocasião, contudo, ele se negou a responder se o apoio crítico significaria votar em Bolsonaro na urna.