Nesta quarta-feira (8), dois anos após os ataques golpistas aos prédios dos três poderes em Brasília, uma série de atos está prevista para acontecer na capital federal. Parte das obras de arte que foram vandalizadas em 8 de janeiro de 2023 será devolvida, após cuidadoso processo de restauração.
Integrantes do curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) participaram dos trabalhos de recuperação das peças.
O serviço realizado junto de especialistas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em um laboratório montado no subsolo do Palácio da Alvorada, foi concluído em outubro de 2024.
Além da recuperação, o trabalho resultou na obtenção de mais informações sobre algumas das peças. Um vaso de cerâmica, que antes acreditava-se ser de origem portuguesa, foi identificado como uma Idria em majólica (tipo de cerâmica) italiana, do período do Renascimento.
Também foram restauradas uma obra tridimensional em madeira, duas outras em bronze, uma pintura em suporte em papel; cinco pinturas em madeira; e 15 pinturas têxteis.
A professora e pesquisadora do Departamento de Museologia, Conservação e Restauro da UFPel, Andréa Bachettini, que está em Brasília para participar dos atos desta quarta, compartilha os maiores desafios do trabalho:
— A maior dificuldade foi a montagem da estrutura para restauração dentro do Palácio da Alvorada, principalmente pela logística e movimentação das equipes que durante os 10 meses se revezaram.
Andréa relata que uma equipe ficou de forma fixa em Brasília. Trata-se da restauradora da UFPel Keli Scolari e das egressas contratadas pelo projeto, Mariana Plantz e Nathania Silva.
— Foi um trabalho de extrema relevância, além de devolvermos obras de arte tão representativas para a história da arte brasileira, mas principalmente pela carga simbólica que representam após os ataques antidemocráticos. A restauração destas obras é um ato de resistência — avalia a professora.
O termo de cooperação entre a UFPel e o Iphan envolveu a montagem do laboratório, a restauração das 20 obras (confira a lista mais abaixo), a produção de um documentário sobre o trabalho, o lançamento de um livro a respeito das peças e do restauro e uma série de ações educativas.
Nas atividades de educação patrimonial, a UFPel contou ainda com a parceria da Universidade de Brasília (UnB).
A restauração destas obras é um ato de resistência
ANDRÉA BACHETTINI
Professora e pesquisadora do Departamento de Museologia, Conservação e Restauro da UFPel
Andréa Bachettini enumera outros pontos relevantes do processo, tanto para os envolvidos como para as universidades participantes.
— O projeto envolveu a universidade no âmbito da extensão, da pesquisa e do ensino, foi muito significativo para as instituições. Foi uma equipe multidisciplinar que englobou também outros cursos, como o Cinema e a Engenharia de Materiais. Alunos foram a Brasília, experienciando a prática profissional num projeto com obras importantes e com uma carga simbólica muito significativa para o país.
A iniciativa de recuperação dos bens contou com o apoio da Diretoria Curatorial dos Palácios Presidenciais (DCPP) da Presidência da República. E decorre de um Termo de Execução Descentralizada (TED) entre o Iphan e a própria UFPel. O valor é de R$ 2,2 milhões.
Devolução das obras recuperadas
Com a presença do presidente Lula, o evento nesta quarta-feira terá a entrega de peças restauradas no Palácio da Alvorada e na Suíça. Um dos destaques será o descerramento do quadro As Mulatas, de Di Cavalcanti.
Em 8 de janeiro de 2023, a peça avaliada em R$ 8 milhões foi furada durante os ataques antidemocráticos.
Um ato simbólico na Praça dos Três Poderes, batizado de Abraço da Democracia, marcará os dois anos da tentativa frustrada de golpe.
Na Sala de Audiências do Palácio do Planalto será realizada a reintegração das obras de arte restauradas. Entre elas, destaca-se um relógio do século 17, construído pelo relojoeiro Balthazar Martinot Boulle. A peça foi restaurada na Suíça sem custos ao Brasil.
Estarão presentes autoridades dos três poderes, representantes do Ministério da Cultura (MinC), do Iphan, da UFPel e da Embaixada da Suíça, além de movimentos sociais.
O 8 de Janeiro
Na tarde de 8 de janeiro de 2023, um domingo, manifestantes bolsonaristas, inconformados com a derrota do ex-presidente nas eleições do ano anterior, invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Muitos deles pediam intervenção militar a fim de remover o presidente Luiz Inácio Lula da Silva do cargo.
Houve depredação, quebra-quebra e vandalização de obras de arte e objetos de importância histórica. Na ocasião, 1,9 mil pessoas foram detidas.
Entre as obras atacadas por golpistas, 20 integravam o acervo da Presidência da República. Além do painel As Mulatas, que foi perfurado várias vezes pelos vândalos, foram danificadas ainda obras como: Galhos e Sombras, uma escultura em madeira de Frans Krajcberg; os trabalhos em metal Vênus Apocalíptica Fragmentando-se, de Marta Minujín, e O Flautista, de Bruno Giorgi; o conjunto de cinco telas de Glênio Bianchetti, chamado de Pentíptico, entre outras.
Uma das cenas reproduzidas nos canais de televisão mostrava o invasor identificado como Antônio Cláudio Alves Ferreira destruindo o relógio do século 17, construído pelo relojoeiro Balthazar Martinot Boulle, no Palácio do Planalto. A peça histórica havia sido presenteada a Dom João VI, em 1808, pela corte francesa.
Para se ter uma ideia da importância da peça, existem apenas dois relógios de Martinot no mundo — além do que foi destruído no ato golpista no Brasil, o outro fica no Palácio de Versalhes, na França. O existente em solo francês tem a metade do tamanho do brasileiro.
Obras restauradas na parceria Iphan/UFPel
- As Mulatas à mesa (título atribuído) de Emiliano Di Cavalcanti (artista brasileiro);
- O Flautista de Bruno Giorgi (artista brasileiro);
- Idria (Majolica Italiana);
- Galhos e Sombras de Frans Krajcberg (artista polonês naturalizado brasileiro);
- Retrato do Duque de Caxias de Oswaldo Teixeira (artista brasileiro);
- Rosas e Brancos Suspensos de J. Paulo (José Paulo Moreira da Fonseca) (artista brasileiro);
- Casarios de Dario Mecatti (artista ítalo-brasileiro);
- Obra de Dario Mecatti (artista ítalo-brasileiro);
- Cena de Café de Clóvis Graciano (artista brasileiro);
- Tela de Armando Viana (artista brasileiro);
- Matriz e grade no 1º plano de Ivan Marquetti (artista brasileiro);
- Pintura de Glênio Bianchetti (artista brasileiro);
- Pintura de Glênio Bianchetti (artista brasileiro);
- Pintura de Glênio Bianchetti (artista brasileiro);
- Pintura de Glênio Bianchetti (artista brasileiro);
- Pintura de Glênio Bianchetti (artista brasileiro);
- Vênus Apocalíptica Fragmentando-se de Marta Minujín (artista argentina);
- Cotstwold Town de John Piper (artista inglês);
- Tela de Grauben do Monte Lima (artista brasileira);
- Bird de Martin Bradley (artista inglês).