Em clima de embate entre governistas, independentes e oposição, a CPI da Covid começa a ouvir os depoimentos de ex-ministros da Saúde na gestão do presidente Jair Bolsonaro. Os dois primeiros a falar aos senadores serão Luiz Henrique Mandetta, nesta terça, às 10h, e Nelson Teich, a partir das 14h.
Mandetta foi demitido em 16 de abril de 2020, no início da crise sanitária no Brasil e após longo desgaste na relação com Bolsonaro. O médico defendia o uso de máscaras e era contra a indicação de medicamentos sem eficácia comprovada contra a covid. Na época, o Brasil registrava 1.924 mortes por covid-19. Hoje, o país tem mais de 400 mil óbitos. Substituto de Mandetta, Nelson Teich, permaneceu menos de um mês no cargo.
Senadores críticos ao governo esperam que os depoimentos ajudem a esclarecer se o Brasil poderia ter tomado outro rumo no enfrentamento a pandemia e freado o número de mortes. A constante troca de ministros da Saúde, segundo o vice-presidente do colegiado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), é, por si só, um enorme problema para a gestão:
“Mandetta foi exonerado do cargo de ministro por defender as medidas de combate à doença recomendadas pela ciência. O presidente defendia mudanças nos protocolos de uso da hidroxicloroquina no tratamento do coronavírus, mas o Nelson Teich era contra. Infelizmente, sabemos o rumo que a gestão da pandemia tomou no país”, citou Randolfe nos requerimentos que pedem a oitiva dos ex-ministros.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), fez críticas à gestão de Mandetta.
— Na primeira (crise no Amazonas), toda vez em que eu ligava, a gente não conseguia falar com o ex-ministro Mandetta porque ele estava sempre dando uma entrevista. Estava na televisão 24 horas por dia e acontecendo a pandemia no Brasil — declarou. Aziz também contestou a gestão do ex-deputado do DEM na questão dos médicos cubanos:
— Quanta falta fizeram os cubanos médicos no Amazonas, na região Norte e Nordeste. Mandetta dizia: "Vamos fazer processo seletivo", e até agora estamos esperando esses médicos chegarem. Não tem médico a torto e direito no Brasil — afirmou.
Presidente
Ainda nesta semana, o general Eduardo Pazuello, que esteve por mais tempo no comando do ministério desde que a pandemia começou, e o atual ministro, Marcelo Queiroga, devem prestar esclarecimentos (ver cronograma). Todos na condição de testemunhas.
Na semana passada, senadores governistas tentaram, sem sucesso, tirar Renan Calheiros (MDB-AL) do cargo de relator da comissão com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), sob alegação dele ser pai do governador de Alagoas. Já Bolsonaro afirmou, em rede social que “não estamos preocupados com essa CPI”.
“Não sou subserviente”, diz senador governista
Com críticas à articulação política do Palácio do Planalto na CPI da Covid, o senador governista Marcos Rogério (DEM-RO) disse nesta segunda (3) que caberá ao governo subsidiar os parlamentares com informações, mas que a defesa da gestão de Jair Bolsonaro tem limites.
– Sou aliado, não sou subserviente – afirmou ele ao Estadão ao ser questionado se o depoimento do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello preocupa.
– Ele vai ter de vir, se houve falhas na gestão dele, vai responder por elas – acrescentou Rogério.
Segundo o senador, que é líder do DEM e vice-líder do governo no Senado, os ministros Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral), Flávia Arruda (Secretaria de Governo) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil) se colocaram à disposição para auxiliar nos trabalhos da CPI, mas nada de concreto foi feito pelo time do Planalto ainda.
– Tinha de ter atuado no começo para compor a comissão, passada essa fase, na hora que começar a ter necessidade de informações, aí vão auxiliar com informações, isso ele (governo) tem dito que vai estar disponível – declarou o senador governista.
Uma das ideias do Planalto, conforme apuração da Folha de S.Paulo, é a de evitar ataques a Luiz Henrique Mandetta e só rebater comentários caso ele use tom ofensivo contra Bolsonaro.
PF
O vice-presidente da CPI da Covid, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), defende ainda a convocação dos ministros da Justiça, Anderson Torres, e da Secretaria de Governo, Flávia Arruda.
– Já fizemos (requerimento) para convocar a Flávia. Tem de convocar até o ministro da Justiça porque o que ele falou à Revista Veja, é uma ameaça ao funcionamento da CPI – declarou o senador ao jornal Estadão.
Randolfe fez referência à entrevista publicada na sexta-feira, na qual Torres afirmou que vai pressionar a Polícia Federal (PF) a obter dados sobre a destinação de recursos federais contra a covid-19 nos Estados.
– Há muitos casos sob investigação nos Estados desde o início da pandemia. O problema é que isso não está sendo falado. Eu vou pedir esses dados à Polícia Federal, tudo o que já foi feito. Há várias operações em andamento. Isso precisa ser mostrado – disse Torres à Veja.
Denúncias sobre supostos desvios de recursos federais enviados a Estados e municípios para o combate à pandemia têm sido usadas pela tropa de choque bolsonarista para tirar o governo federal do foco da CPI.
Já a convocação de Flávia Arruda se justificaria, segundo Randolfe, pelo fato de que uma servidora da Secretaria de Governo, Thais Moura, foi identificada como autora de requerimentos apresentados à CPI por senadores governistas.
Ao Roda Viva, o senador Omar Aziz rechaçou as declarações de Torres.
— O ministro precisava trabalhar um pouco mais em outras áreas que estão afetando o Brasil. Ele não vai intimidar ninguém — afirmou.
Cronograma
- Nesta terça (4): ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta (10h) e Nelson Teich (14h)
- Quarta (5) ex-ministro da Saúde general Eduardo Pazuello
- Quinta (6): atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e Antonio Barra Torres, presidente da Anvisa
Outras convocações
A CPI da Covid pode votar a convocação de ministros de outras pastas, governadores e prefeitos. Os parlamentares sugerem que os ministros Paulo Guedes (Economia), Walter Braga Netto (Defesa e ex-Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Casa Civil e ex-Secretaria de Governo) prestem esclarecimentos. Também são cotados para receber convocação ex-ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e o atual chanceler, Carlos Alberto Franco França