
A sétima temporada de Black Mirror, disponível na Netflix a partir desta quinta-feira (10), apagou a má impressão deixada pela leva anterior de episódios.
Lançada em 2023, a sexta temporada foi simultaneamente uma satisfação e uma frustração.
Por um lado, matamos a saudade da série criada pelo roteirista inglês Charlie Brooker, que estava em um hiato de quatro anos.
Por outro, apenas uma ou duas das histórias podiam fazer jus à fama adquirida pela antologia que explora como as novas tecnologias potencializam anseios, crises, dilemas e vícios da sociedade contemporânea.
Os roteiros eram espantosamente previsíveis, ainda que alguns apostassem no choque. Diante dos passos galopantes dos avanços tecnológicos, Brooker parecia ter desistido de prospectar o futuro próximo — tanto é que três episódios estavam ambientados no passado. E a ficção científica cedera um espaço bastante generoso para o terror, incluindo o sobrenatural, e até para a comédia.
Ficção científica e easter eggs
Black Mirror volta aos eixos na sétima temporada. Ao anunciar a data de estreia e divulgar o trailer, a Netflix frisou que "todas as histórias são de ficção científica" e envolvem "algum conteúdo perturbador".
Dos seis episódios, três são excelentes: o primeiro, Pessoas Comuns (Common People), o terceiro, Hotel Reverie, e o quinto, Eulogy.
Talvez porque, como em alguns dos melhores momentos da série — Toda a sua História (The Entire Story of You, 2011), Volto Já (Be Right Back, 2013), San Junipero (2016), Hang the DJ (2017) —, suas tramas abordem o impacto da tecnologia sobre os relacionamentos amorosos e sobre como lidamos com a ausência e a finitude.
Por falar em San Junipero, vale prestar atenção nos easter eggs, as referências a episódios anteriores que aparecem, por exemplo, no nome de um estabelecimento ou no cartaz de um filme fictício. Embora cada história seja autônoma, sempre houve elementos de interligação — ainda que sutis ou quase imperceptíveis. Ou seja: existe um "Blackmirrorverso".

Outros dois episódios não estão no mesmo nível, mas conseguem, pelo menos, manter o espectador intrigado até o final. As histórias de Bête Noire, o segundo episódio, e Brinquedo (Plaything), o quarto, permitem um espelhamento, mas para evidenciá-lo seria preciso dar spoilers.
Apenas um episódio é muito fraco, justamente o último, o mais longo — tem uma hora e meia de duração — e a primeira continuação na trajetória de Black Mirror, USS Callister: Infinity. Se a ideia era terminar a temporada de forma apoteótica, o tiro saiu pela culatra.
Ranking da 7ª temporada de "Black Mirror"
Veja minha avaliação dos seis novos episódios da série, do pior ao melhor:
6) USS Callister: Infinity

Roteiro de Charlie Brooker, Bisha K. Ali, William Bridges e Bekka Bowling e direção de Toby Haynes. Trata-se da sequência de USS Callister (2017), vencedor do Emmy nas categorias de melhor telefilme, roteiro, edição e som.
Nessa paródia sinistra de Jornada nas Estrelas (Star Trek), Jesse Plemons interpretou Robert Daly, um brilhante programador de jogos virtuais que desenvolve um universo paralelo em que, como capitão de uma nave espacial, se vinga da chacota e do desprezo de seus colegas de trabalho.

Na nova trama, Robert está morto, mas a tripulação da USS Callister, agora liderada pela capitã Nanette Cole (Cristin Milioti), segue presa no game, agora lutando pela sobrevivência contra 30 milhões de jogadores.
Ao assistir a Infinity, uma pergunta martela a cabeça: por que este episódio existe? Além de surfar no prestígio que Milioti alcançou por causa de sua atuação como a Sofia Falcone na minissérie Pinguim (2024), Black Mirror, que sempre foi um oásis de originalidade, deixou-se levar pela onda de continuações e franquias na qual Hollywood anda mergulhada.
Aliás, parte considerável dos 90 minutos de duração é dedicada a flashbacks da trama original, recurso que denota pobreza criativa e que subestima a memória do espectador.
A série também se aventura por uma praia que não é a sua, a da comédia, desta vez mais boboca ou mesmo escrachada — há até piadas sobre nudez. Meu conselho: veja na velocidade 1,25.
5) Brinquedo

Roteiro de Charlie Brooker e direção de David Slade. É o terceiro trabalho em Black Mirror de Slade, que dirigiu Metalhead (2017) e o filme interativo Bandersnatch (2018), do qual foi resgatado um personagem coadjuvante: Colin Ritman (Will Poulter), astro da criação dos videogames dos anos 1980 e 1990.
A história se passa na Londres de um futuro próximo, onde dois policiais interrogam um excêntrico suspeito de assassinato — papel do ator escocês Peter Capaldi, craque em hipnotizar o espectador.
Esse sujeito rememora sua juventude e sua ligação com um obscuro jogo povoado por formas de vida artificiais fofas e capazes de evoluir. Qual é a relação com o crime?
4) Bête Noire

Roteiro de Charlie Brooker e direção de Toby Haynes. Além do USS Callister original, o diretor também fez Demônio 79 (Demon 79, 2023).
Prodígio da confeitaria industrial, Maria (Siena Kelly) fica desconfortável quando uma antiga colega de escola, Verity (Rosy McEwen), é contratada para trabalhar na mesma empresa. Só Maria parece notar que há algo estranho em Verity, portanto, logo ela é taxada de paranoica.

A história tem um desfecho à primeira vista muito fantasioso, mas se a gente parar para pensar vai perceber que é tão somente uma extrapolação de um fenômeno já muito comum, sobretudo no âmbito das redes sociais, da imprensa e da política.
3) Hotel Reverie

Roteiro de Charlie Brooker e direção de Haolu Wang. Estreante na série, a chinesa radicada em Londres dirige esta trama que vislumbra o futuro do emprego da inteligência artificial no cinema.
Awkwafina interpreta uma executiva da Streamberry — a versão Black Mirror da Netflix — que convence a dona de um estúdio (Harriet Walter), o fictício Keyworth, a revitalizar um clássico dos anos 1940 intitulado Hotel Reverie e ambientado no Egito.

Por meio da tecnologia batizada de Redream, uma estrela da Hollywood atual, Brandy Friday (personagem da atriz, comediante e produtora Issa Rae), vai contracenar com um ícone do passado, Dorothy Chambers (vivida por Emma Corrin, perfeita no papel). O roteiro deve ser seguido à risca, mas logo na primeira cena surgem imprevistos.
O episódio tem uma combinação tão equilibrada quanto irresistível de nostalgia, ficção científica, comicidade e romantismo.
2) Pessoas Comuns

Roteiro de Charlie Brooker (com colaboração de Bisha K. Ali) e direção de Ally Pankiw. A diretora é a mesma de A Joan É Péssima (Joan Is Awful, 2023).
Na trama, a professora de colégio Amanda (Rashida Jones) e o trabalhador da construção civil Mike (Chris O'Dowd) formam um casal de poucas posses e ambições, mas feliz.
Quando ela entra em coma por causa de um tumor cerebral, ele acaba contratando os serviços da Rivermind, uma start-up que mantém os cérebros vivos em uma nuvem digital. Amanda vai dormir mais, para ajudar a suprir a demanda dos servidores, e não poderá sair da área de cobertura. Mas o problema maior é que esse sistema está sempre sendo atualizado, ou seja, tendo a mensalidade reajustada.
Com sarcasmo, o episódio ilustra nossa revolta contra os upgrades de planos de saúde, telefonia, internet e plataformas de streaming, como a própria Netflix. E também retrata nosso fascínio sádico pela estupidez humana e pela violência.
1) Eulogy

Roteiro de Charlie Brooker e Ella Road e direção de Chris Barrett e Luke Taylor. A dupla por trás de clipes dos Rolling Stones (Scarlet), de Harry Styles (Kiwi) e do Radiohead (Follow me Around) dirige este belíssimo episódio protagonizado por Paul Giamatti, que concorreu ao Oscar de coadjuvante por A Luta pela Esperança (2006) e ao de melhor ator por Os Rejeitados (2023).
Giamatti interpreta Philip, um sujeito isolado e solitário que certo dia recebe um telefonema: Carol, uma antiga namorada, morreu. Philip é convidado a contribuir com uma lembrança para um "velório imersivo". Ele não precisa escrever nada: a tecnologia da empresa Eulogy acessará suas memórias.
Como o protagonista parece ter escondido Carol em algum canto da mente, a assistente da Eulogy (Patsy Ferran, a Dorothy do recente Mickey 17) sugere que ele literalmente entre em velhas fotos que estavam guardadas em uma caixa de tênis no sótão de sua casa.
O processo interativo tem alguns obstáculos e desperta emoções intensas — em Philip e no espectador. Talvez você chore mais do que em San Junipero.
Veja meu comentário em vídeo:
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