Temendo nova disputa jurídica que retardaria a apreciação do pacote do funcionalismo, o governador Eduardo Leite telefonou, de seu gabinete na ala residencial do Palácio Piratini, para o líder do governo na Assembleia, Frederico Antunes (PP), na tarde do dia 18.
— Toca ficha, estamos bem calçados pela decisão do Supremo — orientou Leite.
Após reversão da liminar que barrou a votação da proposta de alterar as alíquotas previdenciárias de servidores civis, a oposição tentava barrar o andamento da sessão, acusando o governo de induzir o Supremo Tribunal Federal (STF) a erro. Antunes repassou o sinal verde aos aliados, e a estratégia dos adversários minguou. Pouco antes das 22h, Leite assistiu pela TV à primeira vitória do pacote pelo largo placar de 38 a 15 votos.
Às vésperas do fim de 2019, o governador recém colheu o êxito mais significativo de seu primeiro ano de mandato. Lançado em outubro, o pacote que altera mais de cem itens na carreira e na aposentadoria do funcionalismo foi a principal preocupação de Leite no último trimestre e a pauta prioritária nas dependências do Palácio Piratini.
Embora tenha largado com sucesso, o governador foi pressionado por aliados e precisou adiar a análise de sete das oito medidas para 2020. Pelo cálculo inicial do governo, os projetos representam economia de R$ 25,4 bilhões em uma década.
Trata-se de uma das medidas apresentadas por Leite para equacionar despesas e receitas e cumprir sua promessa de colocar o salário dos servidores em dia, repetida durante a campanha eleitoral em 2018.
— Achava que, pelo tamanho do ajuste necessário, era muito difícil colocar a folha em dia em um ano. Foi uma meta que ele se impôs, baseada na convicção de que algumas coisas iam acontecer. Mas não dependia só dele e acabou não acontecendo — avalia Aod Cunha, secretário da Fazenda no início do governo Yeda Crusius (PSDB) e um dos principais conselheiros de Leite.
Mesmo com a agenda reformista, o governador irá se despedir de 2019 com déficit projetado de R$ 4,43 bilhões nas contas do Estado. Enquanto isso, o desgaste com o funcionalismo e os salários atrasados seguem sendo o principal sintoma da crise.
— Leite teve como principal bandeira a retomada do pagamento sem atraso e integral dos servidores, mas não foi capaz de cumprir e ainda investiu a maior parte de seus esforços na tentativa de aprovar projetos de reformas estruturais que impactam justamente os servidores — analisa Paulo Peres, professor do Departamento de Ciência Política da UFRGS.
A empreitada de Leite encarar a crise começou antes mesmo de assinar do termo de posse. Em 18 de dezembro de 2018, conseguiu o aval do parlamento para manter por mais dois anos o tarifaço no ICMS, contando até mesmo com o apoio da oposição.
O governador formou base robusta na Assembleia e, sem maiores dificuldades, aprovou proposta de emenda constitucional que pôs fim à exigência de plebiscito para venda de CEEE, Sulgás e Companhia Riograndense de Mineração, e recebeu autorização para venda. Também teve aval para congelar o orçamento de todos os poderes, aprofundando o embate com Judiciário e Ministério Público. Em 2019, retomou as tratativas para aderir ao regime de recuperação fiscal.
Para 2020, o governador espera assinar o acordo com o governo federal, aprovar o restante do pacote do funcionalismo, gerar receitas extraordinárias para restabelecer as alíquotas de ICMS e, enfim, pagar os salários em dia.
— O governo conseguiu o que mais queria, a reforma da previdência que traz caixa imediato para o Estado. Agora, irá enfrentar maior dificuldade porque são propostas mais polêmicas que mexem com a vida imediata das pessoas e sua perspectiva de carreira — projeta a deputada Luciana Genro (PSOL), umas das principais críticas ao governo no parlamento.
Avanços e dificuldades pelo caminho
Manutenção do ICMS
Duas semanas antes de assinar o termo de posse, Leite colheu sua primeira vitória. Por 40 votos a 10, os deputados aprovaram a manutenção por mais dois anos do tarifaço nas alíquotas do ICMS. O governador tinha a proposta como prioritária para o reequilíbrio das contas públicas. Defendida durante a campanha, a medida recebeu apoio inclusive da oposição, fruto do diálogo de Leite com as bancadas.
Privatização de estatais
Leite encaminhou à Assembleia, em fevereiro, uma proposta de emenda constitucional (PEC) para retirar a necessidade de plebiscito para privatizar estatais. Em julho, os parlamentares deram aval para a venda das empresas com placar amplo: 40 votos a 14 nos projetos da CEEE e da Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e 39 a 14 no da Sulgás. A venda era considerada uma etapa fundamental para aderir ao regime de recuperação fiscal.
Regime de Recuperação Fiscal (RRF)
Principal alternativa para sair da calamidade financeira das contas públicas, o RRF avançou, mas ainda não foi assinado. A adesão começou a ser negociada pelo ex-governador José Ivo Sartori com a Secretaria do Tesouro Nacional em 2017. O Piratini, contudo, esbarra na dificuldade de comprovar o comprometimento superior a 70% da receita com a folha de pessoal e na resistência de vender o Banrisul. Os benefícios incluem carência no pagamento da dívida por três anos e autorização para novos financiamentos.
Novo código ambiental
Em dezembro, o governo colheu a aprovação do novo código ambiental, por 37 votos a 11. Defendida por Leite como uma maneira de melhorar o ambiente de negócios, a medida alterou quase 500 regras. Polêmico, o texto enviado à Assembleia previa o autolicenciamento facilitado para empreendimentos com alto risco ambiental, mas uma emenda alterou o trecho. A proposta é criticada por entidades que atuam em defesa do meio ambiente e elogiada pelo setor produtivo.
Venda de ações do Banrisul
Iniciativa considerada crucial para colocar a folha do funcionalismo em dia, a venda de ações do Banrisul fracassou. Depois de idas e vindas, o governo desistiu de ofertá-las em setembro em razão do preço baixo. O Piratini tinha intenção de obter R$ 2,2 bilhões no processo, considerando R$ 23 por ação. Um dia antes de cancelar a operação, o banco havia conseguido garantir preço mínimo de R$ 18,50, indicando receita menor do que a esperada.
Parcelamento dos salários
Durante a campanha, Leite sustentou ser possível colocar fim ao parcelamento dos salários do funcionalismo no primeiro ano de governo “organizando o fluxo de caixa”. A promessa não foi cumprida devido ao fracasso na venda das ações do Banrisul, única fonte de recursos extraordinários no horizonte. Aliados afirmam que o governador se precipitou ao afiançar o pagamento em dia, mas Leite reitera que irá alcançá-lo em 2020.
Queda nos indicadores de criminalidade
À exceção do feminicídio, todos os indicadores de criminalidade diminuíram neste ano no Rio Grande do Sul. Em setembro, por exemplo, o Estado teve o menor número de homicídios para o mês desde 2009. Também caíram os roubos de veículos e os latrocínios. O Piratini atribui a queda ao programa RS Seguro, lançado em fevereiro, que foca investimento, inteligência e integração nas 18 cidades que concentram a maior parte dos crimes.
Lei orçamentária
O governador conseguiu aprovar leis orçamentárias que preveem o congelamento total nos orçamentos de todos os poderes no próximo ano. Para Leite, a medida inédita “chamou todos os poderes à solidariedade diante da crise”. Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas do Estado manifestaram contrariedade. Na última semana, uma liminar foi concedida a pedido do Ministério Público suspendendo o congelamento.
Pacote do funcionalismo
Leite encaminhou à Assembleia, em novembro, o mais amplo pacote de reforma na carreira e na aposentadoria dos servidores. Gestadas ao longo de 10 meses, as medidas alteram mais de cem regras do funcionalismo. Entre elas, mudanças nas alíquotas da previdência e fim de adicionais por tempo de serviço e incorporações. Em razão das propostas, o Piratini tem enfrentado paralisações de categorias e resistência da base aliada, se vendo obrigado a fazer concessões nos projetos.
Greve do magistério
Em protesto contra o pacote, o magistério deu início a uma greve em 18 de novembro. Depois de uma década de manifestações restritas, a paralisação uniu a categoria e atingiu escolas que nunca haviam parado. Para os professores, a principal resistência é ao plano de carreira. Diante da falta de apoio de aliados, Leite apresentou mudanças, incluindo aumento nos subsídios, maior intervalo entre os níveis de remuneração e reajuste salarial de 19,8% em três anos.