O ex-prefeito de Cambará do Sul Aurélio Alves de Lima foi condenado por fraude em licitação para a construção de moradias populares. A ex-coordenadora de assistência social do município Marelise Raupp Hugentobler e os empresários Nicolas Masiero Menegola, Ivan Menegola, Sandro Luis Dias Speck e Jaqueline Maria Raffo Speak também foram considerados culpados por improbidade administrativa, em ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF).
De acordo com a denúncia, o ex-prefeito teria contratado serviços de mão de obra de duas de empresas para buscar aproximação política com elas. As fraudes teriam ocorrido entre 2006 e 2008. O MPF aponta que as empresas não trabalhavam com a prestação de serviços: a Coisas da Terra, pertencente à família Menegola, atuaria no comércio de produtos alimentícios, e a JK, dos Speck, vendia madeiras. Conforme o MPF, os empreendimentos também não tinham compromisso com a qualidade técnica da obra. A modalidade de licitação foi a carta convite, com a realização de três orçamentos para a execução da obra.
O recurso foi destinado por meio de programas habitacionais da Caixa Econômica Federal. A empresa Coisas da Terra foi contratada em duas licitações, em 2006 e 2007, para construir um total de 62 casas populares na Vila Boa Esperança e outras 10 na Vila Bom Retiro, com um investimento total de R$ 142 mil. Já a Madeireira JK recebeu R$ 132 mil para construir 30 casas na Vila Osvaldo Kroeff, contrato feito via um processo licitatório em 2008.
Os réus alegaram, durante o processo na Justiça Federal, que as licitações foram regulares. O ex-prefeito e os donos da empresa de produtos alimentícios disseram ser vítimas perseguição de adversários políticos.
Na sentença, a juíza Adriane Battisti considerou que há comprovação de irregularidades no processo licitatório. Ela cita que a pesquisa de preços e convites foram feitos a empresas que não tinham sede no município e sem interesse no ramo da construção civil - o que facilitaria a contratação das duas que acabaram por vencer as licitações.
A magistrada concorda que as empresas não tinham qualificação técnica e mão de obra, o que implicou na contratação de terceirizados e na utilização do trabalho voluntário dos próprios moradores. Adriane sinaliza ainda que não há licitação ou comprovação de onde foram adquiridos os materiais para a execução das obras e afirma que boa parte das casas são construções de má qualidade.
Os réus foram proibidos de fecharem contratos com o poder público por cinco anos. O prefeito foi condenado a pagar R$ 20 mil em multa e Marelise, a R$ 10 mil. Ambos tiveram os direitos políticos suspensos por cinco anos. Os empresários foram condenados a pagar multa de R$ 5 mil cada.
A magistrada aponta que não há comprovação de enriquecimento ilícito e explica que não cabe o ressarcimento, já que as casas foram construídas. Para ela, houve vícios nos procedimentos licitatórios. Na sentença, comentou que o prefeito, responsável pelas decisões no âmbito municipal, permitiu que esses processos fossem feitos dessa forma. A juíza considerou que foi a então coordenadora de assistência social quem solicitou a abertura da licitação e fez a pesquisa de preços. Ela destaca que ambos tinham poder de gestão diretas sobre as atividades.
A procuradoria regional da República pediu ainda a condenação de Anita Licks Carvalho, então secretária municipal de Administração, mas a Justiça a absolveu por considerar que não havia provas suficientes para determinar que ela teve participação no caso.
A juíza também considerou que as empresas deveriam ter se recusado a participar das licitações, mesmo diante dos convites, por não terem habilitação para a realização das obras.
"Reitere-se, tais empresas sequer eram do ramo da construção civil, não dispondo das condições necessárias para a construção de moradias, seja know how ou mesmo mão-de-obra para tanto", escreve.
As defesas dos réus vão recorrer da decisão.
CONTRAPONTOS
O que dizem as defesas dos réus
Aurélio Alves de Lima, ex-prefeito de Cambará do Sul
O advogado Fabiano Barretos da Silva diz que a defesa do ex-prefeito Aurélio Alves de Lima vai recorrer da decisão. Para isso, aguarda ser oficialmente intimado. Inicialmente, a ideia é entrar com embargos de declaração pedindo que a juíza melhore a correlação entre os fundamentos e a sentença. O advogado explica que a sentença aponta que não houve prejuízo financeiro e que a construção foi feita com aprovação dos órgãos fiscalizatórios, ao mesmo tempo que aponta falhas no processo licitatório. Barretos da Silva afirma que é de conhecimento geral que os chefes do Poder Executivo não são os responsáveis diretos pelo processo licitatório. Ele diz que, para isso, existem comissão de licitações, setor jurídico e fiscalização. Sobre as condições da obra, o entendimento é que o prefeito teria de ter tomado providências se houvesse indicação de problemas na construção. De acordo com o advogado, a manutenção não foi feita de forma adequada, o que independe do prefeito.
Marelise Raupp Hugentobler, então coordenadora da Assistência Social
O advogado Francisco Luiz da Rocha Simões Pires ainda vai analisar a sentença, mas já adianta que entrará com recurso contra a condenação de Marelise Raupp Hugentobler, então coordenadora da Assistência Social do município. De acordo com ele, provas produzidas no processo mostram que não havia vontade de lesar o município, beneficiar empresas ou fraudar a licitação. Ele afirma que Marelise consultou empresas e encaminhou para a comissão de licitações, dentro da normalidade do processo. Salienta ainda que a Caixa, responsável por liberar as verbas para o investimento, não apontou problemas na construção.
Sandro Luis Dias Speck e Jaqueline Maria Raffo Speck, donos da Madereira JK
A defesa dos donos da Madeireira JK afirmou que ainda não teve acesso à sentença. Porém, o advogado dos réus, Renato Carlos Walter, afirma que vai recorrer da condenação. Segundo ele, não há provas de direcionamento da licitação. Walter diz ainda que o dinheiro foi liberados pela Caixa à medida que a obra era construída e sob fiscalização. O advogado afirma que a empresa tinha experiência na construção de casas. Segundo ele, há relatos de testemunhas nesse sentido e outros contratos comprovado isso. Ele diz ainda que não existe lei obrigando que serviços de construção civil constem no objeto social da empresa para que possa realizar esse tipo de trabalho.
Nicolas Masiero Menegola e Ivan Antonio Menegola, donos da Coisas da Serra
A defesa dos proprietários da Coisas da Serra vai recorrer da decisão. O advogado é Adelar Menegola diz que está comprovado que não houve desvio, apropriação indevida ou má gestão de recursos públicos. Ele considera que a condenação é baseada no fato de que a irregularidade ocorreu porque não constava no objeto social da empresa a realização de serviços na área da construção civil, mas argumenta que não existe exigência legal para isso. De acordo com o advogado, a qualidade das casas é compatível com o recurso disponível. Menegola afirma ainda que a lei prevê que a multa só pode ser aplicada se houver comprovação de vantagem pessoal. Afirmou também que a denúncia levada ao MPF tem caráter político por inconformidade com a perda de sucessivas eleições por parte da oposição.