Pacientes do Instituto do Câncer do Hospital Tacchini, em Bento Gonçalves, contam desde o ano passado com o acolhimento e a escuta de quem já passou pela experiência de encarar os tratamentos de rádio e quimioterapia.
Só em 2024, mais de 3,6 mil pacientes participaram do programa, que conta com cinco parceiras. As pacientes paliativas, mulheres que venceram o câncer mas seguem atentas aos sintomas, visitam o hospital semanalmente para uma roda de conversa que desperta o ânimo para enfrentar o processo.
A professora Adriane Angheben Eitelven, 57 anos, aceitou o desafio de dividir sua experiência sempre às quartas-feiras pela manhã. Desde os três diagnósticos de câncer que recebeu a partir de 2021, nunca viu a doença como um castigo, mas como uma forma de evoluir:
— Tenho consciência de que, enquanto eu viver, minha doença pode retornar, então vivo todos os dias o meu melhor e tenho prazer em estar com as pessoas. A gente nunca sabe como vai ser, não sabe que história vai ouvir ou que dúvidas vão surgir. Não é como uma aula que precisamos preparar, mas volto para casa sempre com a sensação de bem-estar. Dividir meu tempo com pessoas que estão passando por sentimentos semelhantes aos meus é um bem para mim que reflete no outro.
Inspirado na experiência de hospitais de Genebra e do Canadá, a iniciativa da Serra atende pacientes conveniados e do SUS nos encontros que duram em média 1h30min durante as sessões de quimioterapia.
Reviver os sentimentos que afloraram durante o processo de cura pode não ser fácil. Foi por cima disso que a estudante de Psicologia Maria Ilaine Seitenfus, 42, teve de passar para dividir a sua experiência com quem mais precisava.
— A resposta patológica foi reposta do meu processo. A ideia foi sempre viver o processo. Recebi o diagnóstico de câncer de mama e desde o primeiro dia acreditava que era possível ter saúde mental mesmo que com uma condição clínica. Durante a vida todo mundo vai passar por um processo difícil, mas não podemos desistir do objetivo que é viver a vida de fato e se conectar com o que é importante para nós. Mudamos a estratégia e não o objetivo.
Quem coordena o programa acompanha momentos que refletem sobre a aceitação da doença. Perceber que não está sozinho é para Adriana Guedes, coordenadora do Núcleo de Experiência do Paciente, fundamental para o bem-estar:
— As pessoas viam o diagnóstico como uma sentença de morte, mas a medicina evoluiu muito e essas pacientes parceiras têm um papel muito importante de quebrar uma barreira. Enquanto estão ali, muitos conseguem expor pela primeira vez o que estão sentindo.
Mental em sintonia com o tratamento
É assim que a advogada e assistente social Silvana Maria Andreolla, 64, se sente quando troca experiências com que passou pelo que ela enfrente já há 10 anos. Diagnosticada com câncer nos ovários quando tinha 54 anos, Silvana diz receber a medicação como uma bênção.
É a forma de encarar a doença que não a deixa desanimar. E ter com quem conversar a cada sessão de quimioterapia auxilia o processo diário de conviver com o câncer:
— Meu tratamento é muito invasivo. Estou com metástases inoperáveis e faço a quimioterapia intravenosa que elimina tanto células doentes quanto as boas. Mas minha parte mental está em sintonia com o tratamento, recebo a medicação como uma benção. Não é difícil fazer a quimio, estou fazendo um bem pra mim com ela e posso ajudar as pessoas que têm medo dos efeitos colaterais com a palavra. Vivo o hoje, não tenho garantia do amanhã, como todos os seres humanos e dentro desse processo, a palavra que mais encontro é evolução em relação as pessoas.
Reuniões abertas
O modelo das reuniões, que são mediadas por um integrante da equipe multiprofissional do hospital, é aberto e permite que todos os pacientes compartilhem relatos e tirem suas dúvidas com quem já viveu o mesmo estágio do tratamento. Cada integrante também tem liberdade de participar apenas como ouvinte. Quem opta por não participar pode realizar o tratamento em outro ambiente.
Cada uma das cinco pacientes parceira realiza reuniões semanais com diferentes grupos, por isso o projeto tem reuniões todos os dias, de segunda a sexta-feira, e recebe cerca de 15 pacientes por encontro.