Ele foi um radical militante de esquerda, homem de confiança do guerrilheiro Carlos Mariguella durante o período da ditadura militar. Hoje, Aloysio Nunes Ferreira Filho, 72 anos, é a principal voz do PSDB em defesa do presidente Michel Temer (PMDB) e a favor da permanência do partido no governo. Vice-presidente da legenda, senador eleito por São Paulo e ministro das Relações Exteriores, ele sustenta que não faz sentido o desembarque dos tucanos neste momento, ao contrário do que apregoam outras lideranças do partido. Nem a declaração do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil), de que o partido não faz mais parte do governo, fez com que Aloysio mudasse o tom:
— Eu, Aloysio, não vou sair do governo antes do prazo para desincompatibilização, a menos que o presidente Temer peça o ministério, óbvio.
Nesta entrevista ao GaúchaZH no amplo gabinete do Itamaraty, ele explica esse momento de alta tensão entre governo e PSDB. Também fala o que pensa sobre Lula, Luciano Huck, Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin. Como chanceler, adianta as negociações sobre o acordo do Mercosul com a União Europeia que, segundo ele, está prestes a ser fechado. Bem-humorado, mostrou as obras de arte espalhadas pelo gabinete e revelou que pretende concorrer às eleições no próximo ano, o que ainda depende de conversas no partido.
— Mesmo porque, faço política há muitos anos. A essas alturas, o que eu faria?
O PSDB está ou não está no governo Temer?
Isto aqui, o que é (sinaliza para o gabinete)? Isto aqui é um quiosque de lanchonete? Você está sentada na sala de quem? Do ministro de Relações Exteriores, tucano, vice-presidente do partido, senador do partido. É claro que o PSDB está no governo.
Então que loucura foi essa dos últimos dias, em que cada um disse uma coisa?
Loucura! (risos) Você usou a palavra certa. Acontece o seguinte: quando o PSDB, tendo apoiado o impeachment, resolveu dar sustentação o governo Temer, elaborou um conjunto de pontos programáticos que foram submetidos ao Temer. Foi uma condição para apoio ao governo. Ter cargos não é condição para apoiarmos. Mas ele, Temer, poderia convidar quem quisesse dos nossos quadros. Isso aconteceu. Eu não estou aqui porque o PSDB me indicou. Até acho que para o Ministério das Relações Exteriores não cabe esse tipo de indicação política, pela abrangência do ministério, que trata de questões de longo prazo. Não tenho ninguém contratado por mim, não faço obra, não atendo prefeito.
Mas por que a pressão pelo rompimento?
Temer está cumprindo escrupulosamente a linha programática, que, aliás, já estava na campanha do Aécio Neves, em 2014. Por que vamos romper com o governo? Para quê? Em nome do quê? Só se você não estivesse de acordo com o que o governo está fazendo.
Temer está cumprindo escrupulosamente a linha programática, que, aliás, já estava na campanha do Aécio Neves, em 2014. Por que vamos romper com o governo?
Mas tem um grupo que não está de acordo?
Nunca ouvi eles dizerem claramente isso. São contra a reforma trabalhista? A reforma da Previdência? O teto de gastos? A reforma do Ensino Médio? As mudanças que estamos fazendo aqui na desburocratização? A redução da taxa de juros? São contra isso? Então, digam!
A situação não se agravou com a divisão da bancada da Câmara na votação das denúncias da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer?
Por razões meramente eleitorais. Porque aquelas denúncias não ficam de pé. Resultaram de uma armação. E não havia razão para, a partir disso, você interromper um mandato de presidente. Conversei com muitos deputados que não sabiam que, sendo aceita a denúncia, o presidente ficaria suspenso das suas funções. Agora, é o medo de enfrentar o eleitor, de discutir. O Lenin chama isso de oportunismo, mas eu não vou usar essa expressão.
Mas, afinal, o PSDB vai desembarcar ou não?
Eu, Aloysio, não vou sair do governo antes do prazo de desincompatibilização para as eleições, a menos que o presidente Temer peça o ministério, óbvio.
E o ministro Antonio Imbassahy? Ele vai sair da Secretaria de Governo?
Não sou porta-voz do ministro Imbassahy. É uma decisão dele. Ele tem plena confiança do presidente, faz um bom trabalho. O cargo que o Imbassahy ocupa é o mais difícil de ser desempenhado em toda a República, porque é um desaguadouro de pedidos, muitos dos quais não podem ser atendidos. Se você puser lá o Bill Clinton, em seis meses, ele estará queimado. O Imbassahy tem conduzido muito bem, nós ganhamos todas as votações até agora, esse papel de articulação no Congresso tem sido exitoso.
O cargo que o Imbassahy ocupa é o mais difícil de ser desempenhado em toda a República, porque é um desaguadouro de pedidos, muitos dos quais não podem ser atendidos.
O governador Geraldo Alckmin é o melhor nome, como presidente do PSDB, para construir uma unidade na sigla?
Nessa circunstância que estamos vivendo, sim. O Alckmin não é um homem excitado, é ponderado, calmo, tem experiência partidária, já foi deputado, governador três vezes, conhece o Brasil, foi candidato à Presidência da República, goza da confiança de todos. Precisamos colocar um pouco de água na nossa fervura. Diminuir um pouco a ebulição dentro do PSDB, porque senão nós vamos nos cozinhar.
Alckmin defende o desembarque. Isso compromete a unidade?
Não vi essa declaração do Alckmin, mas não creio que ele pense que nós vamos romper com o governo.
Por que o PSDB chegou a esse ponto de fervura?
Em grande parte, as divergências que foram explicitadas aí foram de pessoas que pensaram muito na sua própria eleição. O governo Temer é, hoje, um governo impopular. Acharam que estar perto do governo podia queimá-los na eleição.
Romper com o governo não faz o menor sentido. Depois de ter feito o que fizemos, em nome do quê? Vamos apoiar o PT? Apoiar o PSOL? Não tem nenhum sentido.
E não vai? Apesar de o governo afirmar que os indicadores econômicos estão melhorando, a impopularidade continua grande.
Não vai queimá-los, porque, em primeiro lugar, o governo estará melhor no ano que vem. Já está hoje melhor, tendo como ponto de comparação a situação em que nós encontramos o governo. Por que eu digo nós? Porque o PSDB participa disso. Não apenas com ministros, mas com quadros importantes em toda a Esplanada. Gente da maior qualidade do PSDB que está participando em outros cargos nos ministérios. Romper com o governo não faz o menor sentido. Depois de ter feito o que fizemos, em nome do quê? Vamos apoiar o PT? Apoiar o PSOL? Não tem nenhum sentido.
Qual será o papel do PSDB em 2018?
A principal função do PSDB seria a de se transformar em um articulador dos partidos de centro, oferecendo uma alternativa viável e confiável às candidaturas de Lula e Bolsonaro.
Essa briga interna do PSDB não pode comprometer a chance de o partido voltar à Esplanada em 2018?
Acho que, se essa briga continuar, compromete gravemente. Quem é que vai confiar em um partido dividido? A começar pelo eleitor, que não sabe o que você quer. Qual é o PSDB que está falando? É o Aloysio ou é, sei lá, o cabeça preta? A presença do Alckmin na presidência do partido é um passo muito importante para pacificação.
O partido também deve evitar as prévias para escolha do candidato à Presidência?
Não. Se houver candidatos que queiram prévias, fazemos prévias.
Como vai ser a eleição do ano que vem?
Está esquisito, não é? O Lula é o Lula. Vai ter Lula, e ele vai ser forte. Se não for ele será outro aliado dele. Está no segundo turno. O Lula é o mais habilidoso nessa turma da esquerda. E eu coloco a palavra da esquerda entre aspas. Porque ele governou para a direita, ele chamou o empresário, ele aceitou o conselho do José Dirceu e fez a carta aos brasileiros. Ele deve muito ao Dirceu. Muito. Politicamente, estou dizendo.
Bolsonaro é o candidato dos desabusados, no sentido daqueles caras que não querem mais nada, que são contra todos.
Quais outras forças serão competitivas?
O que não sei é esse Bolsonaro. O meu palpite é que o Bolsonaro é o candidato dos desabusados, no sentido daqueles caras que não querem mais nada, que são contra todos. Nem sei se a pessoa que vota em Bolsonaro é de extrema-direita. Acho que essa pessoa nem sabe exatamente o que é isso.
E o que ele é?
O Bolsonaro sabe o que ele é, mas o pessoal que gosta dele... Ele é um personagem que encarna a rejeição ao establishment, como poderia ser outro, mas mais civilizado, mais adequado, que se possa convidar para um jantar na sua casa. Mas até onde isso vai? E eu acho também que o governo atual terá um peso na eleição.
Terá candidato?
Não sei. Mas terá um peso na eleição. Tem um peso do governo federal que é importante quando o governo quer e sabe fazer política. E terá também um peso na medida em que compararmos o Brasil como estará em relação ao Brasil como a Dilma deixou. Há uma faixa do centro que está disponível, precisa ser organizada e necessita ter alguém que faça para essa faixa um discurso mobilizador, mas não é um discurso "ah a reforma..." O que é isso? O que representa a reforma para a vida do cidadão brasileiro, do seu José, da dona Maria, do jovem? O candidato precisa ter isso, a capacidade de inspirar.
Será que está aberto ainda o caminho para um outsider?
Não creio. Perguntei para a minha sogra o que ela acha do Luciano Huck, ela disse "sensacional". Minha sogra é um termômetro, ela disse: "O Huck ajuda as pessoas, ele é um rapaz trabalhador, tem boa família, tudo isso". Agora, terá ele condições de articular essas forças políticas de transmitir para o cidadão em termos, digamos, compreensíveis, um programa de mudanças, um programa que dê sustentação ao governo? Não sei...
O Alckmin pode ser essa pessoa?
Pode ser. O Alckmin é uma pessoa que pode dar um pouco mais de tranquilidade, de botar um termo a essa polarização destrutiva, ruidosa que estamos vivendo, irracional. Espero eu.
PSDB lançou um documento que servirá de base para as eleições de 2018. Qual o objetivo?
É um recado de um partido a favor de criar condições para que haja empreendimento no Brasil. Um partido que quer um Estado mais leve, menos burocrático, que não infernize a vida dos cidadãos, mas facilite a vida.
Condenar uma mulher, que foi conduzida a interromper a gravidez, à prisão é uma desumanidade, que contribui, aliás, para que milhares de mulheres morram em abortos clandestinos.
Liberal na área econômica, sem ser conservador nos costumes, mas prometendo manter as políticas sociais. Será essa a narrativa para as próximas eleições?
A sociedade brasileira evoluiu, não é mais dominada por valores, digamos, próprios das religiões. Respeito as religiões, mas elas têm uma atuação no âmbito privado. Sou liberal desse ponto de vista também. O que dois adultos fazem entre quatro paredes não deve ser da conta de ninguém. Condenar uma mulher, que foi conduzida a interromper a gravidez, à prisão é uma desumanidade, que contribui, aliás, para que milhares de mulheres morram em abortos clandestinos. A política de guerra às drogas, como é conduzida no Brasil e em outros países do mundo, é uma guerra perdida. É preciso encontrar outra forma de combater essa praga que são as drogas.
O PSDB é acusado pela oposição de ter ajudado a esvaziar as políticas sociais. Como o senhor responde?
O PSDB não fica nada a dever ao PT em matéria de política social. Basta lembrar que Bolsa Família é algo cuja a origem está nos governos do PSDB. O valor do Bolsa Família ficou sem reajuste durante dois anos no governo Dilma. E o presidente Temer, quando chegou, revalorizou. As políticas de igualdade, política de equidade, de inclusão, são incluídas no programa de qualquer governo. Importante é fazê-las com eficiência, evitar desperdício, evitar roubalheira. O Bolsa Família não é um programa de esquerda, é um programa liberal. Transferência de recurso direto para o cidadão é um programa liberal, é Escola de Chicago, que tem que, evidentemente, ser acompanhado de outras políticas para que a dependência do Estado não se cristalize. Dizer que o Lula fez um governo de esquerda faz-me rir. Com quem ele governou? Ele governou com os partidos de direita.
Com os mesmos que vocês estão governando...
Exatamente. É verdade. Esse é o nosso grande problema. Estamos mudando o Brasil a partir de destroços de uma base, que foram parados na praia depois do naufrágio do governo. Quero ver quem é que vai se eleger presidente da República e fazer uma maluquice com uma nova matriz econômica, como a Dilma tentou fazer. Agora, tem fatos novos. Por exemplo, a segurança pública é um tema que vai cada vez mais estar presente na agenda da sociedade. Inclusão digital é outro tema que precisa ser tratado com seriedade.
Mas no caso específico da segurança pública o senhor não acha que o governo Temer deixa a desejar? O Plano Nacional de Segurança nem saiu do papel.
Saiu, sim. O governo federal é quem coloca policiamento eficaz nas ruas de muitas cidades no momento de crise.
Esse não é mesmo o papel da Força Nacional? Eu falo em política de segurança. Existe?
A Força Nacional criada, aliás, no governo Fernando Henrique. Agora, a política de segurança pública tem sido tratada como uma política dos Estados, e ela deve ser uma política de Estado. Esse é um tema sobre o qual precisamos trabalhar mais. Muito mais. Se estamos devendo? Estamos devendo, sim.
A situação do senador Aécio Neves, flagrado em gravações pedindo dinheiro para o empresário Joesley Batista, é um constrangimento para o partido?
A mim, não constrange. Mas é uma tristeza. Gosto do Aécio. O que eu espero é que ele possa se defender, como todos têm direito de se defender, e que ao final da apuração não haja culpa em cima dele.
O senhor também foi apontado como beneficiário de caixa 2 em delação da Odebrecht. Como está a sua situação?
Espero que a minha situação seja esclarecida o mais rapidamente possível. E fui o primeiro a prestar depoimento. Os dois delatores, aliás, disseram que eu jamais pedi nada, enquanto era chefe da Casa Civil. Só trataram de campanha comigo quando eu já tinha deixado o governo e no meu comitê eleitoral. O problema é que os inquéritos demoram demais. A Justiça demora para se pronunciar e deixa as pessoas durante muito tempo com essa vergonha de ser apontado como criminoso sem ser.
O senhor é a favor do fim do foro privilegiado?
Para acabar com o foro, tem que acabar para todos os poderes, como, aliás, é a proposta que eu votei no Senado.
Há interesse político na participação do Brasil em uma nova força de paz na República Centro-Africana, depois do Haiti?
É um assunto que está sendo avaliado pelo Ministério da Defesa com o Ministério das Relações Exteriores, mas não temos ainda nenhuma definição. A definição será dada pelo presidente.
Tem prazo para definição?
Tem fatos positivos, que é a Convenção Internacional do Brasil, uma presença da força do Brasil, da Força de Paz como fator importante para preparo das nossas forças militares, mas tem também outros fatores de risco, como o financeiro.
Há alguma previsão de viagem do presidente Michel Temer para os Estados Unidos?
Não. O presidente Temer vai para Davos, tem a Cimeira em Portugal, que é a conferência de cúpulas, e uma viagem grande para o Sudeste da Ásia. Vai à Argentina também agora, dia 10, para o início da Conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC). Não tem nenhum fator de irritação com os Estados Unidos. Não há nada, nenhum ponto, digamos, crítico, que exige um tête-à-tête presidencial.
Qual será o seu legado no Ministério das Relações Exteriores?
Devolver mais dinamismo ao Mercosul. O nosso primeiro empenho foi eliminar uma série de barreiras que existiam ao livre comércio entre os países. Havia cerca de 80 barreiras e eliminamos já 60. Barreiras técnicas, fitossanitárias, tarifárias, e conseguimos dar dinamismo, negociando com a União Europeia, nos aproximando da Aliança para o Pacífico, aumentando a pauta de entendimentos comerciais do próprio Mercosul.
A negociação do Mercosul com a União Europeia continua emperrada?
Está desemperrando. No dia 1º começa a penúltima rodada de negociação em Bruxelas. Ainda temos questões pendentes porque as coisas mais graves vão ficando para o final.
A política externa brasileira não é uma biruta de aeroporto. Ela tem traços permanentes.
Quais são as principais diferenças entre a política externa do governo Temer e a do governo Dilma?
Muita gente me pergunta isso. Eu acho o seguinte: a política externa brasileira não é uma biruta de aeroporto. Ela tem traços permanentes.
Mas quanto às relações que foram símbolos dos governos petistas, como com a Venezuela?
É questão de ênfase. A Dilma teve ali um alinhamento político, ideológico. Tiveram a veleidade de colocar, de participar de uma blindagem ideológica na América do Sul, é o flerte com o bolivarianismo, mas que não levou a consequências práticas maiores, é mais retórica.