A revisão da colaboração premiada da JBS coloca em xeque um dos mais corriqueiros expedientes usados na investigação e nas ações penais da Lava-Jato. Com 159 acordos de delação homologados perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a maior operação de combate à corrupção do país apura o envolvimento de 450 pessoas em desvios de dinheiro público.
Nas últimas semanas, porém, inconsistências, omissões ou fragilidades nas informações prestadas por delatores lançam dúvidas sobre a eficácia do instituto.
Em episódio emblemático, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi absolvido em segunda instância após o Tribunal Regional Federal da 4ª Região entender que a palavra de delatores não era suficiente para manter a condenação de 15 anos de cadeia proferida em primeiro grau pelo juiz Sergio Moro.
– As delações terão de ser olhadas com lupa muito mais poderosa. O instituto é importante, mas foi viciado e deturpado pelo Ministério Público. Desde o início da Lava-Jato sou crítico à forma como estão fazendo as delações – afirma o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, um dos mais renomados de Brasília e com vários clientes investigados na operação.
Leia também
Cármen Lúcia cobra "investigação imediata" de áudio da JBS
Joesley, Saud, Janot e Miller: os personagens do áudio que pode anular delação
A cronologia da trajetória de Marcello Miller
Pelo menos dois governadores delatados – Paulo Hartung (PMDB), do Espírito Santo, e Flávio Dino (PC do B), do Maranhão – tiveram os processos arquivados a pedido da própria Procuradoria-Geral da República (PGR). Os procuradores entenderam que Hartung não pode ser responsabilizado pelo suposto caixa 2 na campanha eleitoral.
Contra Dino, os elementos apresentados foram considerados insuficientes para comprovar o uso de dinheiro irregular na eleição, caso semelhante ao do ex-governador Germano Rigotto (PMDB), no qual não foram encontrados indícios de corrupção. Nos três episódios, os políticos haviam sido implicados pela Odebrecht, cuja colaboração ganhou o apelido de "delação do fim do mundo".
Ao ameaçar podar os benefícios concedidos aos executivos da JBS, o procurador-geral, Rodrigo Janot, repete movimento que também ameaça o ex-senador Delcídio Amaral (sem partido-MS) e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado. Delcídio saiu da cadeia após afirmar que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia conspirado para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.
O Ministério Público Federal (MPF), contudo, pediu a absolvição de Lula e quer revogar a delação de Delcídio por suspeita de que o ex-senador mentiu nos depoimentos.
Machado não foi preso. Vive em uma mansão com vista para o mar na Praia do Futuro, em Fortaleza, após ter confessado desvios de R$ 100 milhões para mais de 20 políticos. Ao gravar o senador Romero Jucá (PMDB-RR) proferir uma das mais célebres frases da Lava-Jato – "Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria" –, Machado escandalizou o país, mas não produziu uma única prova.
Em relatório no qual pede a revogação dos benefícios concedidos ao delator, a Polícia Federal diz que Machado instigou os interlocutores e que "a colaboração mostrou-se ineficaz quanto à demonstração da existência dos crimes ventilados".
– A delação premiada é fundamental para se compreender a sistemática da corrupção. Quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico, interrogatório de testemunhas, tudo isso, às vezes é insuficiente. Óbvio que haverá questionamento, principalmente vindo do sistema político – alega o procurador da República Mário Lúcio Avelar.
No núcleo da Lava-Jato, integrantes da força-tarefa identificam uma articulação de interesses inconfessáveis para desmoralizar a operação. Uma das ferramentas seria justamente questionar a credibilidade das delações premiadas. Ao anunciar a intenção de revisar as concessões feitas aos executivos da JBS, Janot fez defesa enfática do instrumento.
– A delação é um dos maiores avanços no combate à corrupção e ao crime organizado no país.
É preciso preservar esse modelo e não retroceder. Se os executivos da JBS eventualmente erraram, pagarão por isso – desabafou o procurador-geral da República na noite de segunda-feira.