A JBS, autora de uma das maiores e mais polêmicas delações premiadas da Operação Lava-Jato, irrigava com verbas candidaturas políticas na mesma proporção com que projetava seu crescimento financeiro no setor agroindustrial.
No país, foram R$ 495 milhões entre 2006 e 2014, destinados a 1,8 mil candidatos. No Rio Grande do Sul, no mesmo intervalo, 160 candidatos foram financiados pela empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batista – pouco menos de 10% do total nacional –, que também fez repasses diretos a partidos.
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Os candidatos gaúchos receberam no total R$ 17,3 milhões, o que dá média de pouco mais de R$ 100 mil por concorrente. É o que mostra levantamento feito por Zero Hora com base nas planilhas apresentadas pelos irmãos delatores e outros funcionários da JBS, como Ricardo Saud, diretor de Relações Institucionais da empresa.
São 69 páginas de contabilidade no apenso 10 da petição 7.003, enviada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) para o acordo com os principais executivos do grupo.
A contabilidade foi entregue por Saud e abrange remessas de dinheiro que teriam sido feitas em 2006, 2008, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014 – nos anos em que não houve eleição, os valores não se refeririam à doações eleitorais, mas custeio de outros tipos de despesa, como dívidas de campanha. No caso do Rio Grande do Sul, só aparecem repasses em 2006, 2010 e 2014, todos anos com pleito.
O delator não informa se as doações são caixa 1 (oficiais), caixa 2 (não declaradas) ou ainda caixa 1 condicionado a favor prestado pelo político à JBS – espécie de propina disfarçada. Esse último caso é considerado corrupção pelos procuradores. A tese já foi referenda pelo STF em recente decisão que transformou em réu por corrupção o senador Valdir Raupp (PMDB-RO), mesmo tendo como base doações oficiais recebidas por ele e que, segundo delatores, eram suborno. Aos procuradores, Saud afirmou que a maioria dos donativos eleitorais servia para garantir "reserva de boa vontade" dos políticos.
As tabelas mostram que as contribuições a candidatos no Estado foram diminutas em 2006, quando a empresa engatinhava no jogo político brasileiro. Cresceram exponencialmente em 2010, ano de eleição presidencial. E deram um salto gigantesco em 2014, no mais recente pleito para a Presidência – o valor distribuído foi quase oito vezes maior do que quatro anos antes.
PP soma o maior valor recebido
Como é usual, legendas maiores ficaram com mais dinheiro. Os donativos parecem ter respeitado dois critérios: tamanho da representatividade partidária e, em grau menos importante, relação dos candidatos com o setor agropecuário.
Foi assim que o PP se tornou o maior beneficiado pela JBS no Estado no período. Foram R$ 6,1 milhões partilhados por seus candidatos. O segundo maior recebedor foi o PMDB, com R$ 3,6 milhões. Seguem-se o PTB (R$ 3,4 milhões), o PT (R$ 1,9 milhão) e o PDT (R$ 1,1 milhão). Os demais partidos (PSB, PMN, SD, PSDB e DEM) somados não alcançam R$ 1 milhão.
O cruzamento da contabilidade da JBS com registros da Justiça Eleitoral apresenta curiosidades. Dos R$ 3,6 milhões destinados ao PMDB segundo as planilhas, por exemplo, a campanha do governador José Ivo Sartori, eleito em 2014, recebeu R$ 2,6 milhões. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foram R$ 2,5 milhões em repasse direto e o restante via direção nacional da legenda. Desse total, conforme o TSE, a tesouraria de Sartori remeteu R$ 2,1 milhões originários da JBS para o Comitê Financeiro Único do partido.
No PP e PTB, a distribuição foi bastante equitativa entre as dezenas de concorrentes. E em alguns partidos de menor representatividade no Estado, como o PSDB e o PSB, apenas dois candidatos de cada um receberam doações.
A PARTILHA
Número de candidatos beneficiados com valores da empresa, por partido
PP - 54
PTB - 44
PDT - 25
PT - 13
SD - 11
PMN - 7
PMDB - 5
PSB - 2
PSDB - 2
DEM - 1
Seis gaúchos citados por delatores
Pelo menos seis políticos gaúchos teriam levado propina da JBS, segundo a delação da empresa. Entre os mencionados está o governador José Ivo Sartori (PMDB), que dentre os R$ 2,6 milhões recebidos de forma legal em 2014, teria ganho R$ 1,5 milhão originários da cota de suborno de Aécio Neves (PSDB), então candidato à Presidência. O governador garante que todos os valores ganhos por seu comitê tinham origem legal.
Os outros cinco são: os deputados federais Alceu Moreira (PMDB), Onyx Lorenzoni (DEM) e Jerônimo Goergen (PP), o ex-deputado federal Paulo Ferreira (PT) e o então candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva, Beto Albuquerque (PSB).
Via caixa 2 e em espécie, Moreira e Onyx teriam ganho R$ 200 mil e Goergen, R$ 100 mil. Ferreira teria recebido R$ 200 mil via falso contrato da JBS com uma gráfica. E, com relação a Albuquerque, não há detalhes sobre valores.
Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o comitê de candidatura à Presidência do PSB recebeu R$ 6 milhões da JBS, e o socialista divulgou nota garantindo que todas as doações eram legais. Outro com registro no TSE de valores repassados pela empresa é Goergen, que confirma
R$ 850 mil ganhos em via oficial, mas nega o caixa 2. Na prestação de contas de Moreira não há doações da JBS, e ele também nega o caixa 2. Onyx admitiu ter recebido dinheiro por fora, mas apenas metade do que os delatores apontaram. Ferreira não foi localizado para comentar as acusações.
Duas divergências com dados do TSE
Zero Hora checou as planilhas divulgadas pela JBS e constatou que, entre os 160 candidatos gaúchos que receberam repasses da empresa, apenas dois não informaram à Justiça Eleitoral os mesmos valores que constam nas tabelas.
Um deles é o atual vereador de Bagé Antenor Dutra Teixeira (PP). Nas eleições de 2008, o então candidato a prefeito teria ganho R$ 60 mil da JBS, conforme a delação premiada. Nos dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), consta que a empresa repassou R$ 30 mil ao progressista.
Nessa mesma eleição, Juliana Brizola (PDT) declarou ter recebido R$ 5 mil da JBS. A planilha da empresa diz que doou R$ 10 mil à então candidata a vereadora da Capital, na ocasião, eleita para cargo público pela primeira vez. Atualmente, a neta do ex-governador Leonel Brizola é deputada estadual.
Outro caso que chama a atenção é o de Ailton dos Santos Machado. Candidato a deputado estadual nas eleições de 2014 pelo PP, o atual diretor técnico operacional da Ceasa arrecadou R$ 53.430 na campanha. Desse total, R$ 50.140 foram repassados pela JBS – o que representa 93,8% da arrecadação de Machado.
O valor, que consta na planilha da empresa entregue na delação premiada, bate com o registro do TSE, e é formado por R$ 4.760, repassado pela direção estadual do PP, mais R$ 45.380, que chegaram via campanha do deputado federal Jerônimo Goergen (PP). Nos dois casos, os valores constam como originários da JBS.
A agenda de doações da JBS menciona ainda outros 151 políticos gaúchos. Zero Hora optou por não dar a lista de beneficiados, porque os delatores ligados à empresa não informaram qualquer irregularidade a respeito dos repasses de verbas a esses políticos.
CONTRAPONTOS
O que diz Ailton Machado (PP)
"Quase toda a verba da minha campanha veio do deputado federal Jerônimo Goergen (PP), com quem fiz dobradinha. Talvez a JBS tenha doado a ele, que me repassou. Sei que algo veio deles, talvez o que está declarado ali."
O que diz Antenor Teixeira (PP)
"Não lembro sequer da doação da JBS. Eles podem ter doado para o partido, que me transferiu, sem dizer a origem. Recebi uma boa doação do partido, agora não recordo quanto. Pode ter sido essa."
O que diz Juliana Brizola (PDT)
Por telefone, a deputada estadual afirmou: "Não tive relação com a JBS. Ela pode ter doado ao partido, que repassou a verba à minha campanha. Caixa 2 sei que não houve". Mais tarde, por meio de nota enviada à reportagem, esclareceu: "efetivamente, naquela campanha (2008), havia uma doação daquela empresa (JBS), mas no valor de R$ 5 mil, possivelmente negociado pela direção do partido. A contribuição desses R$ 5 mil constou na prestação de contas à Justiça Eleitoral."