A divulgação oficial do voto dos brasileiros, na noite de domingo (2), revelou um cenário que coloca em debate a credibilidade e a eficiência das principais empresas de pesquisas eleitorais do país. Institutos tradicionais, Ipec e Datafolha não previram os índices de votação para presidente em nível nacional, ou para governador em Estados importantes como Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, mesmo considerada a margem de erro.
Em geral, as sondagens subestimaram os percentuais do candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), e de aliados do presidente como Onyx Lorenzoni (PL), que ficou à frente do então favorito, conforme os levantamentos, Eduardo Leite (PSDB) na disputa pelo Piratini. Mas, na Bahia e em Santa Catarina, foram os candidatos de esquerda aos governos locais que acabaram subestimados. A direção do Ipec refuta a influência de qualquer viés ideológico e admite a possibilidade de fazer mudanças na metodologia das pesquisas no longo prazo.
No cenário nacional, o Datafolha trouxe um percentual para Bolsonaro sete pontos abaixo dos 43% de votos válidos confirmados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), enquanto o Ipec apurou uma taxa seis pontos inferior à votação real na véspera da eleição. O desempenho de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 48% nas urnas, ficou dentro da margem de erro do Datafolha, mas meio ponto abaixo do limite de dois pontos para mais ou para menos considerado pelo Ipec como acerto (veja detalhes no gráfico a seguir).
A tendência de subestimar o número de votos dos candidatos alinhados à direita se repetiu em outros levantamentos regionais — e o Rio Grande do Sul foi um dos casos de maior destaque. O Ipec indicava uma votação para Eduardo Leite 13 pontos acima do que se viu no domingo, enquanto subestimou em mais de sete pontos o desempenho de Onyx. Da mesma forma, o instituto sugeria que Olívio Dutra (PT) seria eleito senador, mas o vitorioso foi Hamilton Mourão (Republicanos).
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, os levantamentos de Ipec e Datafolha também apresentaram diferenças significativas em relação aos números finais de candidatos mais conservadores (veja detalhes no gráfico abaixo). A CEO do Ipec, Márcia Cavallari, afirma que as razões das discrepâncias precisam ser melhor estudadas, mas descartou tentativas de manipulação ou de favorecimento de determinados candidatos.
— Claro que não é por ideologia, porque o maior patrimônio de um instituto de pesquisa é a credibilidade. A gente fica muito frustrado em não conseguir refletir o resultado mais próximo possível da urna, mas não tem nada a ver com ideologia — sustenta Márcia, lembrando que em outras eleições presidenciais as empresas tendiam a estimar menos votos para os primeiros colocados, e agora estão indicando mais.
Na Bahia e em Santa Catarina, por exemplo, a imprecisão ocorreu de forma desfavorável a candidatos da esquerda. No sábado (1º), o Ipec indicava o baiano ACM Neto (União Brasil) à frente com 51% das intenções e chance de conquistar o mandato em primeiro turno, com Jerônimo (PT) em segundo com 40%. Na contagem final, Jerônimo terminou à frente, com 49,4%, enquanto ACM Neto ficou com 40,8%.
Em Santa Catarina, o retrato das urnas ficou bem diferente do que o esperado de diferentes formas. O instituto colocava Jorginho Mello (PL) à frente com 29%, seguido por Moisés (Republicanos) e três concorrentes empatados tecnicamente. O candidato do PT, Décio Lima, que aparecia numericamente em quarto com 15%, acabou assegurando vaga no segundo turno com 17,4%, dentro da margem de erro de três pontos. O representante do PL confirmou uma vantagem bem maior na liderança, com 38,6%, e Moisés saiu da disputa ao somar pouco menos de 17%.
Em entrevista ao programa Gaúcha+, da Rádio Gaúcha, Márcia lembrou que as pesquisas são um retrato do momento e não captam movimentações do eleitorado que ocorrem nas últimas horas antes da votação — a exemplo de escolhas motivadas por voto útil ou de opções feitas por pessoas que até então estavam indecisas.
Ainda assim, apontou outras hipóteses práticas para as diferenças observadas entre os números coletados nas ruas e nas urnas eletrônicas, como uma possível recusa em maior grau de eleitores ligados a Jair Bolsonaro em responder aos pesquisadores no cenário nacional, ou uma eventual mudança no perfil de quem se absteve de votar. Se apoiadores de um determinado candidato se ausentaram em grau muito maior do que outro, pode ampliar as divergências em relação às sondagens.
— Não nos pareceu que fosse um problema porque não sentimos um aumento substancial no número de recusas, mas, em uma eleição polarizada com clivagem social forte, o índice de recusas pode ter subestimado eleitores de Bolsonaro — complementou a CEO do Ipec.
O instituto admite a possibilidade de rever sua metodologia, mas Márcia Cavallari observou que esse é um processo de longo prazo que exige estudos aprofundados e interação entre empresa e academia. GZH entrou em contato com o Datafolha na noite de domingo e na manhã desta segunda-feira (3), por telefone e por e-mail, conforme solicitação da empresa, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
Em entrevista ao canal Globonews na tarde desta segunda, a diretora do Datafolha, Luciana Chong, disse acreditar que as incongruências se deveram a “movimentos de última hora” de eleitores indecisos ou até então mais propensos a votar em Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) em favor de Bolsonaro.
Analista aposta em mudança de metodologia
O cientista político e analista político da Arko Advice Carlos Borenstein avalia que as pesquisas, no geral, apresentaram um mesmo padrão de desvio e podem ser forçadas a fazer mudanças de metodologia para se adequar a uma nova realidade nacional marcada por uma forte polarização, com fortes posicionamentos políticos definidos por critérios como renda ou religião, e forte adesão a redes sociais e aplicativos de troca de mensagens capazes de facilitar mudanças rápidas de opinião.
— As pesquisas estão com dificuldade principalmente de captar um voto que parece ser o de bolsonaristas envergonhados, que concordam com posturas do presidente politicamente impopulares, e que na hora da pesquisa preferem não admitir isso. Acho que os institutos vão ter de revisar questões metodológicas — observa Borenstein.
Uma possível falha metodológica, por exemplo, seria errar na definição da amostra que será ouvida — representando alguma característica como renda ou religião de forma distorcida na comparação com o conjunto da sociedade. O doutor em Matemática e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Álvaro Kruger Ramos considera, porém, que um fator enfraquece essa tese.
— Seriam muitos institutos errando a amostragem juntos, e errando exatamente da mesma maneira. Poderia haver erro de amostragem se os dados sociais do país estivessem errados. Já faz tempo desde o último Censo, por exemplo, mas acredito menos na possibilidade de erro de amostragem — argumenta Ramos.
O Datafolha utiliza poucos dados sociais para ajustar sua amostragem: apenas sexo e idade. Já o Ipec usa cotas de gênero, faixa etária, escolaridade, etnia e condição de atividade econômica. Ambas as empresas sorteiam pontos geográficos onde serão feitas as enquetes, com base em um princípio estatístico chamado probabilidade proporcional ao tamanho e que favorece a escolha de regiões mais populosas e, por isso, também com mais eleitores.
Ramos concorda que, como Jair Bolsonaro costuma se posicionar contra as pesquisas, seus eleitores podem estar mais propensos a boicotá-las, e isso resultaria em um resultado distorcido. Outra hipótese seria uma menor disposição do eleitor em admitir aos pesquisadores que vai votar em Bolsonaro. O matemático observa ainda que sempre é importante levar em consideração a proporção de indecisos, capaz de amplificar as divergências entre as urnas e as sondagens ao facilitar decisões tardias.
— Para senador do Rio Grande do Sul, por exemplo, tínhamos um número tão grande de indecisos que a pesquisa quase não dizia nada. Provavelmente, (a explicação para as divergências) seja um pouco de cada um de todos esses fatores — complementa Ramos.
Na sondagem do Ipec divulgada na sexta-feira (30), 43% dos eleitores se diziam indecisos sobre a escolha para senador quando respondiam ao questionário de forma espontânea. Esse índice caía para 10% apenas quando as pessoas consultadas eram apresentadas aos nomes dos concorrentes.
Os próximos levantamentos deverão acrescentar mais alguns dados para análise. O Ipec deverá divulgar pesquisa para presidente na quarta-feira (5), o PoderData na quinta (6), juntamente com a Quaest, e o Datafolha na sexta-feira (7).
O Grupo RBS, que não realiza sondagens por conta própria, contrata o Ipec para apurar as intenções de voto em nível regional. Nacionalmente, divulga levantamentos realizados por Ipec e Datafolha.