Normalmente, é preciso relativo distanciamento para avaliar o impacto de uma década e colocar em perspectiva fatos que marcaram o período. Não é o caso dos anos 2010, em que momentos marcantes foram quase rotina num cenário político que transcendeu a disputa eleitoral e ideológica que havia se acomodado desde a redemocratização do país na década de 1980. É difícil mensurar em que enquadramento histórico os 10 anos do ciclo serão classificados na literatura no futuro. É também impreciso afirmar se a década encerra um ciclo ou demarca o início de uma nova era.
O cientista político e doutor em Ciências Sociais Marcos Paulo dos Reis Quadros arrisca e nomeia como a “década da Lava-Jato”. Embora reconheça como anos “turbulentos”, abarrotados de fatos impactantes, para o especialista, as investigações que levaram a prisões de figuras políticas de renome trataram-se de algo inédito e que estimulou maior participação popular na política.
– A polarização tem mais efeitos positivos do que negativos, pelo menos em longo prazo. Aquela apatia que se condenava o povo brasileiro parece que aos poucos vai sendo amenizada. Já não é aquele povo que assiste a tudo. É uma guerra cultural, de narrativas de visões de mundo distintas. Vimos (na década) uma ascensão e queda de um modelo político que era representado pelo PT e que foi substituído, pela primeira vez desde a redemocratização, por um modelo abertamente de direita, o que ampliou a pluralidade de ideias que a política brasileira estava ainda carente – avalia Quadros.
Sobre os principais símbolos da década, dois personagens se sobressaem, na opinião do cientista político: Luiz Inácio Lula da Silva e Sergio Moro.
– Foram os dois nomes da década. O presidente Lula por tudo que representou e os dois governos que tiveram avanços importantes na economia e políticas sociais. Mas o seu fim foi bastante deplorável. Todo esse capital político e simbólico que conquistou foi jogado pela janela por conta de problemas de corrupção que vieram à tona justamente por esse segundo movimento que é a Lava-Jato, e o outro personagem da década, que é o Sergio Moro, que capitaneou para si uma parcela muito grande da população. Se projetou como a grande nova personalidade política – destaca.
Da mesma forma que governos municipais dependem do Estado e da União, repercutem também os cenários no sentido inverso. Caxias do Sul é exemplo disso. Manifestações sociais que resultaram em transformações políticas tiveram aqui sua representação. Além disso, impeachment, cuja prerrogativa surgiu no afastamento em nível federal, também foi replicado no município, sendo a cassação de Daniel Guerra o momento político mais marcante da década.