
Os 148.501 votos obtidos na eleição de 2016 não foram suficientes para evitar três pedidos de impeachment do prefeito Daniel Guerra (PRB). O apoio popular até conseguiu barrar a admissibilidade dos dois primeiros pela Câmara. Mas a insatisfação de alguns setores da sociedade falou mais alto e a terceira denúncia, assinada por 29 pessoas, foi acolhida pelo Legislativo nesta semana.
Guerra terá de explicar por que teria descumprido as leis apontadas na peça, como a decisão pela terceirização do Pronto-Atendimento 24 Horas, o Postão, sem consulta ao Conselho Municipal de Saúde. Primeiro, se defenderá previamente, por escrito. Se o parecer prévio indicar o prosseguimento das investigações, Guerra terá mais oportunidades de apresentar suas razões para os sete tópicos da denúncia.
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Para o doutor em Direito Público e professor da FSG, Adriano Tacca, o pedido, mais bem estruturado do que os outros dois, tem indícios que precisam ser investigado. Ele destaca que o fato de a Câmara ter admitido a denúncia não significa que o prefeito cometeu crime:
— Se nada for comprovado, a Câmara tem que arquivar.
No caso do descumprimento da lei que estipula que a verba destinada ao Financiamento da Arte e Cultura Caxiense (Financiarte) deve ser entre 1% e 2% da receita com o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e com o IPTU, Tacca alerta que o ano fiscal ainda não terminou e que o prefeito ainda pode destinar o que está previsto em lei. Além disso, ele pode fazer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público para impedir a continuidade da situação de ilegalidade e reparar o dano.
— Ele pode ser sido eleito por 50,01% ou eleito por unanimidade, mas nada lhe dá o direito de descumprir a lei — acrescenta.
O LADO PRÓ
:: Ampla maioria da oposição na Câmara de Vereadores.
:: O Legislativo é o principal núcleo de sustentação dos movimentos pró-impeachment. São pelo menos 18 votos em 23, como se viu na votação da admissibilidade do impeachment.
:: Oposição barulhenta, aguerrida e que, em algumas intervenções, até comete excessos.
:: Arregimentação de segmentos sociais a partir de medidas da administração popular. Como os segmentos comunitário, da cultura, da educação infantil e dos médicos.
:: Adesão informal de entidades e representantes de movimentos sociais e categorias ao movimento pró-impeachment.
:: Descontentamento de entidades atingidas por medidas do governo, como a Apae.
:: Participação do vice-prefeito Fabris em movimentos políticos e de desgaste e desestabilização do governo, aliado à oposição.
:: Influência e atuação de lideranças políticas de peso.
O LADO CONTRA
:: Apoio popular, traduzido em 148.501 votos na eleição de 2016.
:: Medidas simpáticas a parte da população, como controle sobre ponto de médicos e queda de braço com a Visate para obter tarifa mais módica do transporte coletivo.
:: Medidas de austeridade, como o corte da verba de representação para CCs, que correspondiam a adicional de 50% do salário.
:: Apoio popular que ainda persiste, conforme reações na Câmara e verbalizadas em redes sociais e espaços de participação nos meios de comunicação.
:: Em contrapartida, escolha pelo caminho da judicialização e medidas que geram confronto com diversos segmentos, ou impopulares, como a redução de salários de professores da educação infantil, afetam de alguma forma o apoio popular.
:: Grupos de sustentação que apoiaram anteriormente o prefeito encontram-se diluídos ou desmobilizados.
Cenário de isolamento e conflito
Como um governo que assumiu com forte apoio popular chega a essa situação? Para o cientista político e doutor em Ciências Sociais Marcos Paulo dos Reis Quadros, a ausência de diálogo com diferentes setores da sociedade gerou isolamento e a consequente falta de apoio, principalmente da Câmara:
— Me parece que o governo achou que a autonomia gerada pelo vigor da eleição era suficiente. Outra questão é a tendência em judicializar, em vez de negociar.
Na visão de Quadros, o ambiente de conflito, criado pelo Executivo, parece irreversível.
— Ele precisa mudar a forma como está se apresentando. A tendência é de que o nível de tensão aumente — analisa.
“Não sei por que tem eleição”
Organizador do ato em apoio ao prefeito Daniel Guerra, realizado em abril, Germano Junqueira, 27 anos, lamenta o momento político que está sendo vivido em Caxias do Sul.
O pedido de impeachment e a admissibilidade por parte da Câmara de Vereadores deixaram o jovem desacreditado.
— Não sei por que tem eleição no Brasil, porque os caciques colocam quem eles querem no poder — desabafa.
Junqueira não vê problemas nos cortes de recursos em áreas como cultura, desde que haja investimento em saúde e educação, que são prioridades na visão dele.
— (As pessoas que querem o impeachment) Têm interesses próprios — acredita.
“É forçação de barra”
O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, acabou, segundo o sociólogo Adão Clóvis Martins dos Santos, abrindo um precedente perigoso. Qualquer motivo agora é motivo para pedir a saída do governante. No caso de Guerra, Santos não acredita que as razões apresentadas sejam suficientes para um impedimento. Para ele, as questões poderiam ser resolvidas no Poder Judiciário.
— É uma imensa forçação de barra. As pessoas dizem “vamos tirar” e não se perguntam para onde nós vamos — critica.
Santos frisa que não está defendendo o prefeito. Só teme que pedir impeachment vire algo corriqueiro:
— É uma ação muito mais política do que jurídica. As forças políticas (tanto de situação quanto de oposição) deveriam ser mais razoáveis. A cidadania deve estar acima dos interesses particulares. Como se a retirada do prefeito representasse a solução dos problemas.
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OS 7 TÓPICOS DA DENÚNCIA
1. Descumprimento de ordem judicial para suprimento de vagas na educação infantil.
2. Descumprimento de lei municipal sobre o Financiarte. Recursos previstos em lei devem ficar entre 1% e 2% da receita prevista com IPTU e ISSQN.
3. Descumprimento de lei federal que prevê autorização do Conselho Municipal de Saúde para terceirizações como a do PA 24 Horas.
4. Descumprimento de lei sobre composição do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente.
5. Descumprimento de metas para 2017 do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos.
6. Interferência no funcionamento da Câmara, por exemplo, com indicação de representação para comissão sobre destinação dos espaços da Maesa.
7. Descumprimento de lei e de ordem judicial sobre mandato do vice-prefeito.
AS POLÊMICAS RECENTES
- Financiarte: em 23 de novembro, a prefeitura anunciou os projetos contemplados pelo Financiarte 2017 – apenas 18 de 184 inscritos. A verba, que nos últimos dois anos foi de R$ 2 milhões, encolheu para R$ 600 mil (veja matéria ao lado).
- Terceirização do Postão: em 10 de novembro, a prefeitura anunciou a gestão compartilhada do PA 24 Horas. Na prática, a terceirização do Postão. A decisão gerou críticas e questionamentos sobre por que a medida não foi autorizada pelo Conselho Municipal de Saúde.
- Gestão compartilhada na Educação Infantil: em 27 de novembro, professores das escolas de Educação Infantil conveniadas com a prefeitura entraram em greve. A paralisação foi motivada pelo anúncio de redução salarial dos professores devido ao fim dos convênios, recontratação e ajuste salarial ao mercado. A greve encerrou-se dia 7 de dezembro.