Em novembro de 1989, ia ao chão o Muro de Berlim, que separava a antiga Alemanha Oriental (comunista) da Alemanha Ocidental (não comunista). Há poucos dias, uma cerca metálica foi instalada na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para dividir os manifestantes pró e contra impeachment da presidente Dilma Rousseff durante a votação na Câmara dos Deputados. A cerca só foi retirada nos dias seguintes.
A colocação de um muro, mesmo provisório, para separar pessoas de diferentes opiniões é simbólica. Mostra como tornou-se difícil a convivência quando o assunto é política. Defender a permanência de Dilma é correr o risco de ser chamado de "petralha"; apoiar a saída da presidência é ser acusado de golpista e ganhar a alcunha de "coxinha". O caso mais recente de divisão e confronto deu-se na sexta-feira à noite, em São Paulo, quando o ator José de Abreu, defensor declarado da presidente Dilma Rousseff e contrário ao impeachment, reagiu com cusparadas a críticas e acusações de outro cliente do restaurante.
- Quando você chega no nível de colocar apelido degradante no seu adversário e promovê-lo a inimigo é porque a radicalização política chegou num ponto que só pode ser resolvida ou através da força ou de uma coalização nacional muito forte. Essa situação em que as pessoas se agridem mesmo dentro de casa, chamando com esses apelidos, tira a dignidade e a cidadania do adversário, transformando-o em inimigo político - diz o professor de Ética e Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Roberto Romano.
É possível perceber a forte polarização em pelo menos mais três momentos da nossa história recente: ditadura militar, entre 1964 e 1985; Anistia; e Diretas Já; ao contrário do processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, que não teve apoio do Congresso nem da população. Quem não lembra do apelo do ex-presidente para que as pessoas fossem às ruas vestindo verde e amarelo e a resposta da sociedade foi usar preto?
Para Romano, a guerra atual começou justamente após a queda de Collor. Setores que apoiaram o impeachment, sobretudo o PT, imaginavam que o correto seria a esquerda chegar ao poder. Com Itamar Franco na presidência, o PT passou a dividir o país entre aqueles que lutam pelas causas populares e os outros, o que seguiu durante e governo de Fernando Henrique Cardoso. Já na campanha que deu a vitória a Lula, o discurso foi mais pacífico, o que não se repetiu na segunda eleição de Dilma e atraiu, segundo o professor da Unicamp, ódio e indiferença.
Os sinais visíveis da divisão
- Cerca metálica instalada da Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional, em Brasília.
- Completa carnificina nas redes sociais, em um ambiente de agressividade e desrespeito.
- Emprego de acusações esquemáticas e estereotipadas, como "petralhas" e "coxinhas".
- Ênfase nas cores verde, amarela e vermelha.
- Acusações de cliente de restaurante em São Paulo ao ator José de Abreu por defender posição contrária ao impeachment. Abreu reagiu com cusparadas.
- Declaração de voto pelo impeachment do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ), em homenagem ao coronel do Exército e agente do DOI-CODI, Carlos Alberto Brilhante Ustra, que teve reação com cusparada do também deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ)
Nosso país
Atual cenário político brasileiro expõe realidade de divisão entre quem pensa diferente
Reações como cusparadas são alguns dos sinais do clima tenso em que se vive
Juliana Bevilaqua
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