A Câmara de Vereadores de Caxias do Sul aprovou nesta quinta-feira o projeto que garante a manutenção da tarifa de ônibus em R$ 2,75 neste ano. A proposta trata da suspensão da cobrança de impostos municipais para a Visate. O objetivo é manter o valor da passagem do ônibus, mas que tradicionalmente sofre reajustes a cada início do ano. A medida consolida um processo que teve início em junho do ano passado e que ocorreu de forma diferente em Caxias em relação a outros municípios.
Enquanto Porto Alegre, Curitiba e Belo Horizonte passaram pela discussão sobre a tarifa com conflitos graves entre empresas e poder público, Caxias conseguiu reduzir e congelar a passagem. A manutenção do preço passa por desonerações do governo federal, pressão das manifestações de rua e renúncia de receita pela prefeitura. Parte do que deixa de ser arrecadado será compensando por recursos de financiamentos federais.
Para Sérgio Tadeu Pereira, presidente da Visate e sócio da Sogil, empresa que opera em Porto Alegre, a principal diferença entre Caxias e Capital quando o assunto é negociação de passagem recai sobre a relação institucional entre empresas e prefeituras. Ele destaca que, em Caxias, há equipes técnicas nas duas pontas para discutir a composição da tarifa, além do envolvimento direto do prefeito na discussão sobre fatores que encarecem o preço. Em Porto Alegre, segundo ele, o problema se agrava devido a brigas políticas dentro do sindicato trabalhador, o que não ocorre em Caxias. Pereira não sabe precisar quanto a Visate vai deixar de arrecadar com o congelamento da tarifa, mas garante:
- Houve uma participação grande da empresa para aguentar o preço da tarifa até que se acalmem as coisas - afirma, em referência às manifestações.
O prefeito Alceu Barbosa Velho conversou com o Pioneiro sobre os bastidores da negociação para manter a tarifa. Confira a entrevista:
Pioneiro: Como foi o processo de redução e congelamento do preço da passagem?
Alceu Barbosa Velho: O começo disso tudo foi a desoneração dos impostos federais. Analisada a planilha, tirados os impostos federais, apontou um resultado de R$ 2,76. Imediatamente, comunicamos a empresa que íamos baixar o valor da passagem frente àquela realidade, que a empresa concordou e ela sabia que efetivamente teve um benefício com aquela decisão. Diminuímos R$ 0,10. Um tempo depois, estourou todas as manifestações e aí veio uma pressão em Caxias, mesmo tendo diminuído o valor, para que nós tirássemos, como já havia feito Porto Alegre e outras cidades, o ISSQN que incidia sobre o transporte coletivo urbano. A nossa posição _ reunimos secretário Baroni, chefe de Gabinete, Gestão e Finanças _ para avaliarmos e chegamos à conclusão que o que tínhamos feito era o que dava para fazer porque a isenção era federal. Se naquele momento nós mexêssemos nos tributos municipais, se eu cedesse à pressão daqueles que entendiam que tínhamos que desonerar, eu tinha consciência que no final do ano eu não ia mais ter o que fazer para diminuir o valor. Fomos o primeiro município a baixar a tarifa, então aquilo pacificou Caxias, as pessoas entenderam. Naquele momento, baixar mais era demagogia. O transporte coletivo não é assim, é uma equação econômica, que tem que ser respeitada, tanto o bolso do passageiro como o bolso da empresa, tem que haver o equilíbrio. Nessa reunião, teve uma decisão do prefeito, eu disse "não vamos isentar nada agora. Vamos esperar baixar a poeira e ver como se comporta a economia até o final de 2013". As coisas continuaram subindo. Agora em janeiro rodamos de novo a planilha, considerando todos os incrementos que houve no pneu, na gasolina, no dissídio coletivo, e chegamos a um valor de R$ 3. Aí eu me assustei. E decide: agora é a hora de nós abrirmos mão do tributo municipal para transferirmos esse benefício diretamente ao povo. Porque o dinheiro, na verdade, vinha para a prefeitura, a prefeitura aplica nos mais diversos serviços. Com um valor de R$ 3, aumentar R$ 0,25 era demais e aí que veio, então, a ideia de isentarmos, agora sim, o ISSQN e aquela taxa de administração, e pedir um sacrifício da empresa para não mexermos na tarifa do transporte coletivo.
Pioneiro: Então, o senhor avalia que isso só foi possível devido àquela cautela lá em junho?
Alceu: Eu não tenho nenhuma dúvida disso. Se nós tivéssemos cedido àquela pressão do calor do debate e dos fatos, agora estaríamos em um brete. Porque daí já tinha tirado o imposto, teria aumentado igual, imagina que daí teria baixado mais do que R$ 2,75, imagina o tamanho do rombo que ia dar. Então, graças a Deus, a medida que tomamos lá atrás ela veio a ser terminada agora.
Pioneiro: Até quando segura a tarifa?
Alceu: Por todo este ano é certo que se mantém. Em 2015, quando rodarmos a planilha, evidentemente que vai ter um acréscimo, mas que não vai partir de R$ 3. O cálculo não vai partir daquilo que se deixou de cobrar, que foi o apontado pela planilha hoje. A prefeitura abriu mão de 3% em impostos municipais, o equivalente a R$ 4 milhões. Entendemos que a empresa foi parceira e ela está abrindo mão de um valor até maior que esse que a prefeitura está isentando.
Pioneiro: Diferentemente de Caxias, outras cidades no Estado e país tiveram problemas. O que o senhor acha que houve?
Alceu: Eles não têm uma licitação como nós temos. Aqui, está tudo dentro da lei: foi licitado, a empresa ganhou e está em vigência um contrato que temos que cumprir. Em Porto Alegre, as empresas operavam há anos sem licitação. Há um conselho municipal que examina os dados e opina sobre o valor da passagem e ele tem conhecimento dos insumos que compõem a cesta da planilha. Então é feito tudo com muita transparência e isso é a melhor coisa, porque tu pode mentir sobre paixões, amores, política, seja lá o que for, mas matemática, já dizia a Cigana, os números não mentem jamais.
Pioneiro: Muito se critica o monopólio. Nesse caso, foi benéfico? É mais fácil negociar com uma só empresa?
Alceu: Caxias não é Porto Alegre, não é Belo Horizonte, não é São Paulo, não é Rio de Janeiro. As características do transporte coletivo, da topografia da cidade, a disposição geográfica da cidade é bem diferente das outras. Caxias é cortada de Norte a Sul, de Leste a Oeste. São duas, três linhas que têm um saldo positivo e que são economicamente boas. Outras nem tanto. E quando vem uma empresa disputar com outra não é na mesma linha. Então, o que importa, não é o número de empresas que presta o serviço, mas que seja bem prestado e a preços atrativos para o transporte coletivo. Dizem que a questão da empresa única é ideológica, partidária. Não. Diversos governos de ideologias diferentes já passaram e entenderam que o modelo de Caxias é bom para a cidade. Não adianta pôr duas, três empresas prestar o mesmo serviço ou pior. Na hora de negociar vai ser mais complicado. É um modelo que vem dando certo.
Pioneiro: Como foi a conversa com a empresa?
Alceu: Chamei o Fernando (Ribeiro, diretor superintendente da Visate) e disse: olha. A prefeitura não coloca goela a baixo, eles também rodam a planilha com os mesmos índices da prefeitura, e que deu diferença ali de centavinhos. Ninguém vai mentir um para o outro, a gente não vai poder se enganar. E aí eu pedi ajuda dele no sentido de dizer que nós não temos o melhor momento para falar em aumento. Por toda essa questão que nós tivemos ali em junho, julho, que ali nós poderíamos ressuscitar (as manifestações) se fôssemos aplicar este valor de R$ 3, mesmo sendo justo e correto. Por isso eu convidei eles a, juntos, fazermos esse sacrifício. O município vai abrir mão de recursos e peço que você não abra mão de recursos, mas peço que segure os teus investimentos. Nós temos uma frota nova, uma frota boa e não há necessidade de você investir neste ano. Foi o que aconteceu. Ele tinha alguns planos de expansão e deixou de fazer. Juntos, cada um abriu mão de alguma coisa. Eles abriram mão de parte do lucro. Ele deixou de ganhar aquilo que seria empresa normal estaria faturando para ter tranquilidade. Ele negociou o dissídio, o sindicato foi muito parceiro, também entendeu, e nem por isso abriu mão dos seus direitos. Mas foi uma negociação justa e um reajuste muito merecido. O contato com a empresa é mais fácil.
Pioneiro: Para a aceitação da empresa, pesa também o que a prefeitura está planejando na mobilidade com o SIM?
Alceu: O Fernando me disse pessoalmente que eles acreditam muito no SIM Caxias. Ele entende que os corredores exclusivos, as não inflexões à direita, o segundo corredor nos horários de pico, o concreto raiado de piso, que economiza pneu, esse conjunto de obras e ações da prefeitura, eles entendem que vai trazer benefícios à empresa e economia. É um voto de confiança.
Pioneiro: Teve algum momento na negociação que a tensão foi maior ou foi pacífico como aparentou?
Alceu: O momento de tensão foi na mobilização. E aí veio a demagogia de alguns dizendo que a prefeitura tinha que abrir mão de tudo. Eu disse: negativo. Se eu abro mão de tudo que eu tenho agora o que eu vou fazer depois? Foi um momento de muita firmeza. Mas eu tive o aval de todo o secretariado.
Pioneiro: Segurar a tarifa não vai comprometer a frota?
Alceu: Não. A frota de Caxias tem quatro anos, Porto Alegre tem ônibus de 10. Esse não vai ser o problema. O problema é que aumenta o óleo, o valor do pneu, o valor do ônibus, aumentam as obrigações trabalhistas. É aquilo que acontece em qualquer empresa. Tem um custo. A única diferença é que essa empresa é uma concessionária e o custo dela tem que ser transparente.
Pioneiro: O impacto da redução na arrecadação será sentido mais em alguma área da prefeitura do que em outras?
Alceu: Fizemos o estudo de impacto financeiro no orçamento. Evidentemente que na própria Secretaria de Trânsito houve retirada de valores. Mas fazendo um reestudo também encontramos outras formas de compensar. E uma delas é o PAC, que vai trazer valores substanciais à secretaria. Não foi fácil. O Búrigo (Carlos Búrigo, secretário Gestão e Finanças) teve bastante trabalho para dar legalidade a isso. E eu ainda estou isentando até 31 de dezembro de 2016, ainda no meu mandato. Não quero interferir no mandato do próximo prefeito. Até porque, vamos que de repente o Estado abra mão do ICMS do Diesel e da gasolina para o transporte coletivo. Isso dá uma diferença substancial. De repente isso é maior que a isenção do ISSQN e que a Taxa de Administração. E aí, da maneira que foi feita a lei, eu posso retornar a cobrar da empresa esses valores.
Pioneiro: A vigência da lei, até 31 de dezembro de 2016, não significa que a tarifa vai continuar em R$ 2,75 até lá?
Alceu: É ilusão, a não ser que venha um subsídio em âmbito federal. Elas sobem como tudo. Espero que o patamar de aumento chegue num nível igual ou inferior àquele que nós temos no reajuste de salários, de preços de mercadorias. Imaginar que vamos ter sempre o mesmo preço de tarifa é impossível. O que nós podíamos fazer, nós fizemos.
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