Nos primeiros seis de meses de 2024, a Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) de Caxias do Sul recebeu 91 registros de desaparecimento de pessoas. Destas, 56 já foram localizadas, ou seja, 61% dos registros. O número pode ser maior porque muitos registram o boletim de desaparecimento, mas não o de localização. Na maioria dos casos a própria família encontra a pessoa e informa a polícia. Em comparação ao ano anterior, nos mesmos seis meses, 76 pessoas haviam desaparecido na cidade, o que representa um aumento de 19% de casos neste ano. Segundo o delegado Caio Márcio Fernandes, nos últimos quatro anos há 176 pessoas ainda sendo procuradas — 57 mulheres e 119 homens. Há casos mais antigos, anteriores a 2020, mas que não são contabilizados nesta reportagem e a delegacia não detalha os nomes.
Os desaparecimentos em Caxias do Sul podem ser registrados pelo site Delegacia Online RS ou pessoalmente, no plantão da Polícia Civil, na Rua Irmão Miguel Dário, 1.061, no bairro Jardim América. O registro da pessoa localizada deve ser feito pelos mesmos canais. A Delegacia de Homicídios investiga os desaparecidos adultos e a Delegacia da Criança e do Adolescente procura pelo público menor de idade. O familiar direto (pais ou filhos) também é orientado a comparecer no Instituto-Geral de Perícias (IGP) para a coleta de material genético.
A família deve ter em mãos uma foto atualizada do desaparecido e informar com detalhes os últimos contatos que teve, além de indicar possíveis endereços em que a pessoa possa ter estado. Outras informações importantes:
- Redes sociais que usa
- Número de telefone de contato
- Possível motivação para o desaparecimento
- Veículo usado (ou se saiu a pé)
- Ao sair de casa, se levou dinheiro ou cartão
- Roupa que usava
Fernandes esclarece que cada caso de desaparecimento será tratado com as próprias peculiaridades, conforme o que foi relatado pela família. Há desaparecimentos em que a pessoa decidiu sair de casa e não quer voltar. Mas há casos de pessoas que estão desaparecidas por envolvimento em crimes, como tráfico de drogas ou homicídios. Por isso, Fernandes reforça a importância de que quem fará o registro fale a verdade:
— Não é uma receita de bolo. Se é uma pessoa acostumada a sair na sexta e voltar para casa depois da festa, só no domingo, a família analisa e aguarda até na segunda-feira. Se a pessoa é usuária de drogas, costuma passar o dia ou a noite fora de casa, o familiar pode aguardar até o dia seguinte. Mas, se a pessoa não tem o costume de sair, toma medicação controlada, brigou com um familiar, tem indícios suicidas, o quanto antes fazer o boletim, melhor.
O delegado afirma que a maioria escolhe desaparecer, e faz isso sem deixar rastros. Os motivos mais destacados são os conflitos familiares, intenção de fugir de problemas ou buscar aventuras, para o consumo de drogas ou por ter transtornos mentais. Na hora do registro, detalhes como uma briga, o uso de medicações controladas e drogas costumam ser escondidos da equipe policial, o que dificulta o trabalho.
— Tivemos um caso recente em que o marido veio registrar o desaparecimento da esposa e da filha. Pedimos se havia briga entre o casal ou outra situação de motivação. Ele nos disse que não. Porém, ao consultar o nome dele e o dela no sistema encontramos um registro de Maria da Penha. A mulher estava acolhida em um abrigo, sob proteção de uma medida policial. Ou seja, a mentira foi descoberta e, por óbvio, não relatamos a ele onde ela estava, apenas comunicamos que ela foi localizada pela polícia — conta Fernandes.
O delegado esclarece também que a Polícia Civil não viola o direito da pessoa que teve a intenção de desaparecer. Ele conta sobre outro caso em que um jovem decidiu internar-se em uma clínica de reabilitação das drogas. Uma parte da família sabia sobre a intenção e o auxiliou. No entanto, outra parte não, por não querer a internação. O caso foi parar na mesa do delegado como um registro de desaparecimento. O rapaz foi encontrado na casa de reabilitação e não desejava retornar. O delegado foi confrontado pela família, mas não há como violar o direto da pessoa se não há crime relacionado.
— O trabalho da polícia vai até a localização. Registramos que ele foi localizado e avisamos a família que está bem. Não vou pegar a pessoa pela mão e levar para casa — enfatiza Fernandes.
Como são feitas as buscas?
Logo que o registro da ocorrência é feito, o delegado Caio Fernandes recebe a informação. Cada boletim é encaminhado para uma equipe da delegacia. Além disso, os dados são repassados para as outras equipes da Polícia Civil, Brigada Militar, Guarda Municipal, assistência social e outros órgãos que oferecem atendimento em Caxias do Sul.
Nos casos em que o boletim de ocorrência está completo, conforme o delegado, a investigação inicia sem necessariamente se fazer contato com a família. A busca é feita "em campo", ou seja, procura-se a pessoa em hospitais, serviços de saúde, IGP, abrigos, albergues, prestadores de serviço de transporte, entre outros espaços como, por exemplo, locais conhecidos pelo consumo de drogas. A procura também é feita nas redes sociais e por empresas de telefonia. Todas as formas de análise são empregadas até que esgotam-se as possibilidades. De acordo com Fernandes, há casos antigos em aberto que são revistos todas as vezes em que um novo elemento surge. No entanto, a prioridade é a busca por pessoas que desapareceram recentemente.
Neste contexto, o delegado diz ser importante a família coletar o material genético, pois se a pessoa é encontrada morta, será possível a identificação. Um caso relembrado por ele é o de um jovem de 19 anos, morador de São Marcos. Ele foi esquartejado, colocado em malas e encontrado meses depois, em Caxias do Sul, no ano de 2021. A identificação só foi possível graças ao boletim de ocorrência do desaparecimento e coleta de DNA de familiares. Quatro autores do crime foram presos, julgados e condenados. Segundo a investigação, autores e vítima eram da mesma facção. O crime seria uma represália à desobediência do jovem às ordens de líderes da organização criminosa.
Outra orientação que a Polícia Civil detalha aos familiares de desaparecidos é o cuidado com golpes. A família costuma divulgar pelas redes sociais a foto do desaparecido, dados e contato telefônico para ajudar nas buscas. O delegado esclarece que há muitos golpes e extorsões comuns nesses casos.
— A pessoa não deve pagar nenhum valor sem antes comunicar a polícia e evitar ir em locais indicados anonimamente, por onde a pessoa desaparecida teria passado.
Compare o mês a mês
Veja abaixo as ocorrências abertas em Caxias do Sul nos primeiros seis meses de 2024 e do ano anterior:
Em 2024:
- Janeiro: 18
- Fevereiro: 10
- Março: 22
- Abril: 13
- Maio: 11
- Junho: 17
Total: 91
Em 2023:
- Janeiro: 12
- Fevereiro: 11
- Março: 20
- Abril: 12
- Maio: 10
- Junho: 11
Total: 76
* Os desaparecimentos costumam ser sazonais, mas há um acréscimo em datas próximas a festividades, como o Carnaval.