Uma semana após o ataque assassino à uma família do bairro Vila Nova, a comunidade de Vale Real tenta entender como sua realidade mudou tanto em tão pouco tempo. Após seis anos sem homicídios, foram três mortes em menos de um mês. As últimas ocorreram na última sexta-feira (7), quando foram assassinados um mecânico e seu enteado.
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Sobrevivente do ataque, a filha de Andrio Vinicius Silveira da Silva, 38, e irmã de Matheus de Freitas, 20, decidiu dar a sua versão do crime. A jovem de 18 anos, que pede para ter seu nome preservado, quer corrigir a informação de que os criminosos procuravam pelo seu irmão. Ela relata que os bandidos não falaram qualquer nome, apenas renderam todos os moradores, colocaram a família de joelhos e começaram a atirar.
A primeira versão divulgada é a que está no boletim de ocorrência, feito pela Brigada Militar. No relato, foi escrito que os criminosos "indagaram por Matheus". A Polícia Civil salienta que o registro é o princípio de tudo, e que os depoimentos de mãe e filha, que sobreviveram ao ataque, apontam que nenhum nome foi falado pelos bandidos.
Pioneiro: O que aconteceu naquela madrugada?
Sobrevivente: Eu estava dormindo quando começaram a bater muito forte na porta. Eles gritavam que era polícia. O meu pai abriu a porta, daí renderam ele e mandaram ficar de joelho. Eles me renderam e a minha mãe também, depois perguntaram se havia mais alguém na casa. A mãe respondeu que "meu guri tá lá embaixo", daí eles mandaram ele subir junto com a namorada. Todo mundo estava de joelho e eles começaram a atirar. Eles não falaram nomes e não pediram de ninguém, apenas se havia mais alguém na casa.
Eles atiraram em alguém primeiro?
Não sei dizer qual foi a ordem dos disparos, pois quando começaram atirar eu abaixei a cabeça para me proteger. Estava todo mundo de joelho, era muito fácil para eles atingirem qualquer um. Não sei se queriam acertar apenas uma pessoa ou realmente todo mundo. Eu e minha mãe levamos alguns tiros de raspão. Acredito que o alvo eram todos, pois foram tiros para todos os lados. A namorada do meu irmão continua no hospital, está sedada em estado grave.
Por que atacaram sua família?
Não sei dizer. Se fosse para matar só uma pessoa, por que ajoelhar todos na sala? É um cômodo pequeno, estávamos todos muito próximos. Mas ninguém (da família) tinha sido ameaçado. O meu pai não reagiu em momento algum. Ele ajoelhou desde o primeiro momento. Estava de costas para os bandidos.
Acredita que o ataque foi contra o seu irmão?
Não sei. Se realmente era contra ele, por que fizeram tudo isso? Nunca tinha acontecido um homicídio tão brutal na cidade. O meu irmão ficou uma semana preso por envolvimento com drogas. Então voltou a morar com a gente porque queríamos manter ele em casa, mais seguro. Estávamos tentando ajudar. Meu pai sempre trabalhou, eu e minha cunhada também. O meu irmão também, antes do acontecido, trabalhava. A minha mãe tinha medo dele voltar a se envolver (com drogas), por isso ele realmente só ficava em casa neste último mês. Não saía para nada.
Como seguir a vida após um episódio desses?
Estamos com medo e não estamos ficando em casa. Tem muita marca de tiros lá. Foi um trauma muito grande, não tem condições.
Você e sua mãe têm medo de um novo ataque?
Não sei. No momento, estamos muito em choque com tudo o que aconteceu. Os policiais tentaram nos tranquilizar bastante, dizem que (os assassinos) não voltariam. Mas é difícil quando se passa por uma situação dessas. Se já aconteceu uma vez, quem pode garantir que não acontecerá de novo?
Vale Real sempre foi um município tranquilo. O que aconteceu?
Um policial nos disse que está tendo muitos casos assim em todo o Vale (do Caí). Não digo de morte, mas de envolvimento com o tráfico. É algo que está crescendo muito. As pessoas estão diferentes. Todos estão com receio de tudo. Antes o pessoal podia deixar aberta a porta de casa. Agora, ninguém mais sai sozinho à noite. Todo mundo está com medo. Na parada (de ônibus, no homicídio de maio), o alvo seria um, só que outro rapaz foi atingido junto.
Quando começou a mudar?
Acredito que foi cerca de um ano atrás, quando apareceram umas pichações na cidade (com o nome da facção). Foi o ponto de partida. Eles estavam mostrando que chegaram na cidade. Tinha drogas na cidade, mas não era nada tão visível. Todo mundo nota, todo mundo sabe quem usa drogas. E tem muita gente diferente na cidade. Aqui, todo mundo conhece todo mundo, mas, ultimamente, tem muitas pessoas estranhas.