Dois grupos criminosos com base na Penitenciária Estadual, na localidade do Apanhador, são responsáveis pela guerra do tráfico em Caxias do Sul, que se tornou pública no ano passado. A primeira facção é caxiense e surgiu na Galeria A em meados de 2015. A segunda é uma ramificação de uma facção de Porto Alegre e seus líderes na Serra são criminosos caxienses que se instalaram na Galeria C. É este bando que costuma atacar pontos de tráfico, executar quem encontram nos locais e incendiar moradias e corpos — desde julho do ano passado, foram cinco casos com estas características.
A postura violenta para dominar a venda de drogas, principalmente na Zona Norte, foi comprovada na investigação do duplo homicídio de William Edemilson de Oliveira, 18, e Andrei Silveira dos Santos, 20, no bairro Cânyon. A Delegacia de Homicídios conseguiu apontar o presidiário que ordenou o crime e os quatro autores da execução, sendo um deles menor de idade. Em 10 de janeiro, os quatro adultos foram denunciados pelo Ministério Público (MP) por incêndio doloso, receptação de veículo e duplo homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel e recursos que dificultaram a defesa das vítimas.
Leia mais:
Homens são denunciados por assassinatos e incêndio a mando de facção, em Caxias do Sul
Tráfico de drogas e facções elevam índices de crimes contra a vida em Caxias do Sul
A execução ocorreu na manhã do dia 5 novembro de 2017, quando criminosos armados invadiram uma moradia da Rua da Esperança, mataram os dois homens a tiros e atearam fogo na casa de madeira. Após o ataque, os investigadores chegaram até duas testemunhas que reconheceram Diogo Andrade de Matos, 18, como um dos assassinos, que já era monitorado pela Polícia Civil por fazer parte da facção.
Os detalhes sobre a ordem e planejamento do crime foram esclarecidos quando um outro integrante da facção foi convencido a falar. O rapaz era investigado pela Delegacia de Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec) por roubo de veículos quando foi inquirido.
— Durante o depoimento naquela delegacia, foram ventiladas informações sobre este crime e nossa equipe acionada. Este integrante da facção, entre outras coisas, relatou ter presenciado o Rodrigo Palhano determinar que dois indivíduos, um adolescente e o vulgo Melara, matassem as duas vítimas. A mesma testemunha ainda apontou que Guilherme Corso Ferreira fosse o condutor da Duster utilizada no ataque — relata o delegado Rodrigo Kegler Duarte.
Citado no depoimento, Rodrigo Palhano é um criminoso de 32 anos condenado a uma pena total de 43 anos, 7 meses e 26 dias e que está recolhido ao sistema penitenciário desde 2001. Suas sentenças são por uma tentativa de latrocínio (roubo com morte), roubos, tráfico de drogas e porte ilegal de arma de fogo. Sua progressão de regime é prevista para agosto de 2024.
— Nós (Delegacia de Homicídios) não investigamos a organização criminosa, mas há informações que apontam ele (Palhano) como um dos líderes desta facção no sistema penitenciário de Caxias — confirma o delegado.
Delator morreu em confronto com a BM
A testemunha é um jovem morador do bairro Primeiro de Maio que tem a identidade preservada pela Polícia Civil. Ao falar com os policiais, ele relatou que foi influenciado por alguns e acabou sendo preso por porte ilegal de arma de fogo. Na cadeia, foi coagido a entrar para facção e ficou em dívida com os líderes. Em liberdade, mas com medo de ser morto, o rapaz não viu outra saída a não ser obedecer as ordens da facção e seguir cometendo crimes.
A história dele terminou quando a Brigada Militar (BM) descobriu um esconderijo da facção no bairro Primeiro de Maio. O rapaz foi um dos quatro criminosos mortos no confronto da Rua Antonio Nakhoul El Andari na manhã de 23 de novembro. Na ação, os PMs apreenderam três revólveres calibre .38, uma espingarda .12, duas armas artesanais calibre .12 e um revólver artesanal.
A investigação apurou as informações e confirmou que a testemunha estava recolhida na Galeria C da Penitenciária no Apanhador, junto com Palhano, na época relatada no depoimento.
Reconhecido por testemunhas, Matos foi preso preventivamente na tarde de 11 de dezembro, quando chegava ao Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) para cumprir medidas socioeducativas. Apontado com motorista da Duster utilizada no crime, Guilherme Corso Ferreira, 19, foi detido por policiais civis no bairro Pioneiro no dia 5 de dezembro. A caminhonete, que era produto de um furto em Novo Hamburgo e estava com placas falsas, foi abandonada logo após o duplo homicídio. A procedência do veículo é mais um indicativo de que a execução foi ordenada e planejada pela facção.
O último preso foi Tailesson Dionei Brito da Silva, 23, o Melara, que foi citado no depoimento do integrante da facção. Ele era procurado desde o dia 7 de dezembro e foi detido pela BM de Capão da Canoa no dia 15 de janeiro. Na ocasião, os policiais militares verificavam a denúncia sobre disparos de arma de fogo na praia de Curumin e flagraram Silva com uma pistola calibre 9mm.
— O modo de execução mostra que estavam encarregados por este tipo de fato (execuções). Inclusive o Diogo (Andrade de Matos) deverá ser indiciado pela prática de outro homicídio de igual gravidade e modo de operação. Não temos dúvidas que são pessoas extremamente violentas — destaca o delegado da Homicídios.
Uma cópia do inquérito policial foi remetida para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) para que sejam tomadas as devidas providências quanto ao menor de idade que participou da execução. O rapaz, que hoje já é maior de idade, responde ao processo em liberdade.