Completado um mês de cortes nos gastos da prefeitura de Caxias do Sul, incluindo as horas extras, serviços públicos começam a sentir os reflexos. A saúde é uma das áreas mais afetadas. Mesmo com a campanha de vacinação contra a gripe a todo vapor, todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) funcionam uma hora a menos por dia, exceto cinco que operam em horário estendido. Pronto-Atendimento 24 Horas (Postão), escolas e Guarda Municipal também estão entre os setores mais atingidos. Servidores estão envoltos em uma verdadeira ginástica para manter serviços em dia depois do decreto de contenção das contas assinado pelo prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT).
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O conselho Municipal da Saúde discutiu o assunto e deve pedir flexibilização do decreto. A ideia é que cada um dos 20 conselhos locais possa avaliar melhor os horários das UBSs, já que o documento impõe expediente das 8h às 17h nas 42 unidades sem horário ampliado.
– Cada região tem sua peculiaridade – aponta o presidente do Conselho, Paulo Cardoso Alves.
O Conselho de Saúde aponta que, no Postão, cada profissional fazia em média 40 horas extras ao mês. Ali, o corte chega a 50%. A secretária da Saúde, Dilma Tessari, não confirma esse número. A principal preocupação do Conselho é se a unidade terá condições de manter os atendimentos no inverno, quando doenças respiratórias são mais frequentes e o tempo de espera no Postão historicamente aumenta.
– Em outros anos se falava em aumentar o efetivo (no Postão) e neste, ao invés de aumentar, tem que reduzir. Vamos trabalhar com a Secretaria da Saúde para resolver essa questão – avisa Alves.
A secretária da Saúde assegura que a maioria dos médicos do Postão já trabalhava sem hora extra e que não houve redução para esses profissionais.
– O essencial nós preservamos. Vamos ver de que forma podemos adaptar. Se não tivesse dificuldade financeira, claro que não faríamos cortes – lembra.
O impacto deve chegar à Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Zona Norte. Se antes a abertura dependia da compra de equipamentos e de posterior aval do Ministério da Saúde, agora a inauguração também é travada pela falta de recursos municipais. Segundo o secretário de Gestão e Finanças, Gilmar Santa Catharina, a UPA aberta impactaria entre R$ 10 milhões e R$ 12 milhões ao ano, dinheiro que o município não dispõe.
– O município não tem, nesse momento, condição de criar nenhum serviço novo – afirma o secretário.
Segurança está afetada
Na Guarda Municipal, uma das soluções encontradas foi retirar servidores de prédios públicos monitorados com alarme e deslocá-los a pontos com grande fluxo de pessoas. A medida, no entanto, não é suficiente para manter 100% do trabalho anterior ao decreto.
O problema é amplo. Algumas escolas municipais, como a Machado de Assis, chegaram a ficar sem guarda municipal, que foi recolocado por se tratar de local com frequentes ocorrências. Segundo o diretor da Guarda, Ricardo Fugante Martins, alguns oficiais de Justiça cumprem mandados sem acompanhamento de segurança. O apoio da Guarda em operações de trânsito ou segurança nem sempre é possível. Antes do decreto, uma média de três servidores estava disponível por turno (dia ou noite) para plantões viabilizados com hora extra. Agora, se ocorrer algum imprevisto como estragar o alarme de uma escola, algum guarda terá de ser deslocado de outro ponto.
– Hoje o efetivo não é suficiente. Não tem culpado, é uma realidade – avalia Fugante.
Segundo o secretário de Segurança Pública e Proteção Social, José Francisco Barden da Rosa, o corte inicial foi de 50% das horas extras, como dispõe o decreto, mas a pasta conseguiu autorização para manter 65% dos adicionais. Segundo ele, 90% de todas as horas disponíveis na Secretaria ainda são para a Guarda.
– Priorizamos os locais onde estatisticamente tem maior histórico de ocorrência. Não tem como fazer corte sem ter repercussão – entende.
Atualmente Caxias tem 182 guardas municipais.
Nas escolas, prejuízo no serviço de apoio
Não faltam professores em sala de aula, mas isso não significa que as escolas municipais não sofram reflexos do decreto. Uma das dificuldades é a redução da oferta de docentes de apoio, responsáveis por substituir em caso de falta, auxiliar em tarefas especiais ou ajudar alunos com dificuldade.Na Tancredo Neves, por exemplo, não há mais horários fixos de turmas de apoio, que eram mantidas por professores com horas extras. O apoio também faz falta para que o professor planeje as aulas ou participe de reuniões com a direção. Em um dia em que docentes faltaram por imprevistos ou problemas de saúde, até o diretor teve que ir para a sala de aula.
– Cada escola teve que olhar para si e buscar uma solução – descreve o diretor do colégio do Belo Horizonte, André da Silveira.
Problema semelhante ocorre na Mário Quintana, no bairro Diamantino. A professora que fazia reforço por três tardes agora faz em duas.
– O que poderíamos fazer a mais, não temos como – lamenta a diretora, Gisela Barros.
Na opinião do secretário da Educação, Agenor Basso, cabe a cada escola organizar seu plano de adequação. Ele acrescenta que a área administrativa da Secretaria cortou 100% as horas adicionais e apura onde mais reduzir, como uso de folhas e de ar condicionado.
– As escolas precisam avaliar que as horas extras não são, no contexto de uma escola, algo habitual. Essa questão precisa ser reavaliada – pontua.
O secretário de Gestão e Finanças, Gilmar Santa Catharina, lembra que no caso de professores a ampliação de jornada permanece, prevista em lei e com pagamento menor do que a hora extra.
"Não estamos falidos"
Embora grande parte do impacto direto aos caxienses seja causado pela redução de horas extras, outras medidas também foram tomadas para equilibrar o caixa do município. Entre elas está a renegociação de contratos de aluguéis, feita à medida que vencem os contratos. Os valores pagos a fornecedores de materiais também estão sendo negociados. De acordo com o secretário de Gestão e Finanças, Gilmar Santa Catharina, os reflexos do decreto não são imediatos. A redução de gastos gerada pelo controle de horas extras, por exemplo, deve impactar na próxima folha de pagamento.
Obras votadas pelo Orçamento Comunitário (OC), também estão comprometidas. Segundo o secretário, devem sair do papel apenas aquelas que contam com recurso externo ou que exijam mínima contrapartida do município.
– Não estamos falidos. Estamos com dificuldades e, antevendo essa dificuldade, tomamos essas medidas – pondera o secretário.
O orçamento da prefeitura para o ano de 2016 é de R$ 1,7 bilhão de receita utilizável. O decreto vigora desde o início de abril e visa a equilibrar o caixa do município diante do agravamento da crise econômica e da queda na arrecadação de tributos.
Contas públicas
Saúde, educação e segurança sentem reflexos do decreto de corte de gastos em Caxias
Entre as reduções está a de horas extras
Cristiane Barcelos
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