Este ano o frio não chegou, ele jogou-se de cabeça. Veio pra cima com tudo, como se fosse um lutador de MMA. Pulou para o ringue, partiu contra o oponente (nós, meros mortais) e o levou à lona com o primeiro golpe. Nocauteou a torto e a direito, sem dar tempo de sequer olhar em volta. Como chegou atrasado (quem dentre nós não andou reclamando que já era final de abril e o calor continuava, hein?), parece que arrebentou a porta determinado a tirar o atrasado em questão de minutos, e foi o que fez. Jogou os termômetros para baixo de zero em certas localidades, ensaiou neve já nas primeiras 48 horas, congelou orelhas e pontas de narizes e deu o tom para o início do coral das tosses. Eita!
Aqui em casa está o escambau. Até o final de semana, passeávamos tranquilos pelo terraço de chinelo-de-dedo, camisetinha de manga curta, cerveja gelando no refrigerador, palitos de geladinho no freezer para quando o afilhado vem visitar, janelas abertas para deixar correr um ventinho, essas coisas. Tudo isso, que foi ontem, agora parece já pertencer a um passado distante e saudoso. Ah, que saudades do verão! De uma hora para a outra, os cobertores precisam ser reencontrados em seus esconderijos secretos, os casacões e capotões retornam aos cabides, tira-se o pó de cima do aquecedor elétrico para que o banheiro seja climatizado durante o banho (até quando teremos de nos banhar completamente nus?), as pantufas seguem desaparecidas, o estoque de café precisa ser incrementado, os dedos endurecidos dificultam a escrita sobre o teclado.
Olho pela janela do escritório e identifico, ao longe, a fumacinha que escapa pela chaminé de uma casa, revelando a existência ali de um fogão a lenha em plena atividade, aconchegando uma família. Deve haver uma chaleira de água quente
sibilando em cima da chapa, uma panela de feijão cozinhando longa e mansamente para a hora do almoço, a lenha alimentando constantemente o fogo, sob a responsabilidade de algum dos habitantes da casa. Mais ao longe, outra fumacinha sobe serpenteante rumo ao céu, agora azul. Azul de frio.
Vivemos em clima temperado e o retorno do frio nesta época do ano é efeméride cíclica, esperada, certeira. Não deveria nos espantar tanto, porém, gostamos de cultivar esse nosso potencial de nos surpreendermos com a mudança de clima, pois que, assim, mantemos viva em nós a chama do novo. É uma forma de acumularmos combustível para seguir em frente em todos os aspectos de nossas vidas. Vamos ao frio, então.