
As empresas especializadas em assessoria para o reconhecimento da cidadania italiana estão contestando o “Pacote Cidadania”, anunciado na sexta-feira (29) pelo vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani. A ação se trata de um conjunto de medidas legislativas propostas para reformar a regulamentação do direito aos descendentes, e restringiu as condições de naturalização por direito de sangue, limitando a obtenção da cidadania italiana a duas gerações.
Segundo a reforma do "Ius sanguinis", aprovada no Conselho de Ministros do país europeu, passa a ser exigido ter pai ou avô nascido na Itália para solicitar a nacionalidade, enquanto que antes não havia um limite geracional.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, o CEO da Nostrali, David Manzini, afirma que o decreto é frágil e constitucionalmente suspeito. Na publicação, o empresário italiano criticou falas vindas do governo do próprio país que diziam que os descendentes buscavam o reconhecimento para ir a Miami.
— É ofensivo, é ridículo, é indigno do papel que se exerce como ministro. Eu estive no Brasil, e lá encontrei a Itália que esquecemos aqui, uma comunidade viva, que ainda fala os dialetos, que cozinha como antigamente, que se emociona só de ouvir a palavra "Itália". Bastou dizer que eu era italiano para ser recebido com carinho, e foram justamente eles, os descendentes, que me fizeram voltar a amar meu país. A Itália não é apenas um território, é uma memória, é uma identidade que se transmite — diz Manzini em trecho do vídeo.
No site da empresa, a Nostrali afirma que os contratos continuam válidos e em andamento, e pede cautela, uma vez que o processo ainda precisa ser aprovado pelo parlamento italiano para se tornar definitivo, o que pode ocorrer em até 60 dias. Manzini ainda diz que está trabalhando com constitucionalistas, juristas e advogados italianos em busca de uma solução ao decreto do governo italiano.
— Uma resposta que questione esse decreto, na sua eventual conversão, na sua legitimidade e seu espírito. Porque nenhum ministro pode suspender o sangue. Nenhum decreto pode quebrar uma história. E nenhum político pode apagar a Itália que vive fora de suas fronteiras — finaliza o vídeo.
Para Celania Minozzo Dall Agnol, CEO da San Pietro, o decreto interrompe um direito adquirido pelos descendentes no nascimento, e se trata da “privação de um vínculo valioso com nossas raízes e nossa história”. Ela afirma que, neste momento, nenhum cliente vai ser diretamente afetado, e diz ser necessário ter calma. A empresa também afirma que o “decreto é inconstitucional”.
Pelas redes sociais, a San Pietro afirma que publicará atualizações sobre o decreto nos canais de comunicação da empresa, para auxiliar os clientes neste processo. Além disso, diz que está com a equipe jurídica atuando no Brasil e na Itália para proteger o direito daqueles que contrataram o serviço.
— Entendemos que a orientação é aguardar os desdobramentos do decreto para tomar as devidas providências e analisar como ele impactará as ações e decisões futuras, prezando sempre pela defesa dos direitos adquiridos e garantindo que todas as medidas adotadas estejam alinhadas com os princípios de justiça e equidade — afirma Celania.
Decreto impactante
O advogado Lonis Stallivieri, que trabalha há 38 anos com o reconhecimento da cidadania italiana, diz que uma posição vinda do governo do país europeu era esperada, mesmo assim, definiu o decreto como impactante.
— Notamos que a situação foi piorando no mês de novembro (de 2024), quando eu estava na Itália, e estava repercutindo notícias de escritórios de cidadania italiana fazendo quase que leilão para fazer processo, oferecendo Black Friday, cidadania em 10 vezes no cartão de crédito. Isso deixou os italianos muito mal, porque cidadania italiana é uma coisa, agora comercializar cidadania italiana é uma coisa muito diferente.
Stallivieri defende que as pessoas precisam conhecer o idioma italiano e a história da família que migrou da Europa ao Brasil para buscar o reconhecimento. Ele acredita que o texto, da forma como foi anunciado, não deverá ser aprovado pelo parlamento, e passará por alterações. Ele está redigindo um e-mail para encaminhar aos clientes explicando o que é o decreto.
— Alguma coisa precisa ser feita, mas tem coisas que eu sou contrário. Eu não concordo com a retroatividade, quer dizer, o cancelamento do direito retroagindo no tempo, isso contraria todo o direito do princípio adquirido.
Consulado suspendeu atendimentos
Na sexta-feira, o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre informou que os agendamentos para iniciar o processo de obtenção da cidadania, ou para depositar documentos com este fim, estavam temporariamente suspensos.
Segundo um comunicado publicado na página do consulado, de 2014 a 2024, o número de cidadãos italianos residentes no Exterior aumentou de aproximadamente 4,6 milhões para 6,4 milhões, representando um crescimento de 40% em 10 anos. Além disso, há atualmente mais de 60 mil processos judiciais pendentes para o reconhecimento da cidadania.
Também de acordo com a nota, no Brasil, o total de reconhecimentos aumentou de 14 mil, em 2022, para 20 mil, em 2024. No início de março, quando houve a convocação de mil inscritos, o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre informou que havia mais de 40 mil inscrições feitas no órgão diplomático naquele momento para obter esse reconhecimento.
O "Pacote Cidadania"
- O que mudou com a nova legislação?
Somente filhos ou netos de italianos poderão solicitar a cidadania italiana. - Como era antes?
Não havia um limite geracional para o pedido, bastava ser descendente direto de italianos e comprovar a ligação com documentos. - Como a nova legislação impacta a transmissão de cidadania?
Caso nenhum dos pais ou avós tenha nascido na Itália, um novo cidadão só poderá ter sua cidadania italiana reconhecida se um dos pais tenha residido por dois anos consecutivos em território italiano antes do nascimento do filho, mesmo que estes pais já tenham a cidadania italiana. - A mudança já está em vigor?
Sim, a mudança entrou em vigor a partir da sexta-feira (28). - As novas regras já são definitivas?
Não, o pacote ainda precisa ser aprovado pelo parlamento italiano para se tornar definitivo, o que pode ocorrer em até 60 dias. - A mudança atinge quem já tinha iniciado o processo?
Não, quem já tinha iniciado o processo para obtenção da cidadania italiana até o fim da quinta-feira (27) não sofre os efeitos da nova legislação. - A mudança atinge quem já estava na fila de espera para iniciar o processo?
Sim, quem já estava na fila de espera, mas ainda não havia iniciado o processo, estará sujeito às novas regras.