
As tradições costumam viajar junto de quem deixa seu país de origem em busca de uma nova vida em outras terras. E quando as culturas apresentam seus sabores e aromas, a integração entre os povos é facilitada pela curiosidade em experimentar uma nova utilização para velhos ingredientes.
Feito a partir do cozimento de grão de bico, trigo e feijão, o Ashura é considerado o doce mais antigo do mundo e celebra uma tradição islâmica que em Caxias do Sul é celebrada pela comunidade turca desde o início da semana. Decorado com nozes e amendoim, a espécie de mingau leva também em sua receita, cascas de laranja, maçã, damasco, cravo e uvas passas.
A lenda conta que a sobremesa surgiu nos últimos dias da Arca de Noé, quando a comida era escassa e todos os ingredientes foram cozidos com água e açúcar. O doce faz parte da cultura turca e está presente nas comemorações de agosto que celebram o décimo dia do calendário islâmico, quando a Arca de Noé foi finalmente ancorada após o dilúvio. O Ashura, além de dar nome ao doce é também o nome do período religioso que celebra a libertação do profeta Moisés.
De acordo com Enes Acar, 39 anos, líder da comunidade turca em Caxias do Sul, a época é de generosidade e a distância da terra natal não impossibilita que a tradição de distribuir a sobremesa seja mantida.
— Oferecemos para os vizinhos, na escola dos nossos filhos e nos nossos empregos. Planejamos também oferecer na Igreja São Pelegrino no domingo à noite — contou Acar em português fluente adquirido ao longo dos 15 anos em que está no Brasil.
Há seis meses em Caxias do Sul, Acar ajuda os conterrâneos a lidar com a burocracia brasileira para abertura e manutenção de negócios. — Na Turquia é muito no "fio do bigode", é preciso tempo para se acostumar com o modo de como as coisas são feitas por aqui — contou Acar que tem status de refugiado político e não volta ao país de origem devido à divergências com o atual governo.
Formada por 38 pessoas, a comunidade turca em Caxias do Sul se reúne semanalmente para orações e jantares em uma casa no bairro Colina Sorriso, onde o Ashura vêm sendo feito carinhosamente pelas mãos de mulheres. Entre elas, Zeliha Acar que nesta quinta-feira (11) cozinhava os ingredientes em uma panela bem menor daquela que aguarda a ajuda das amigas para produzir uma maior quantidade nos próximos dias.
— A comida está muito presente na cultura turca. Gostamos de realizar jantares, reunir familiares e amigos para as refeições, distribuir o doce é uma forma de se integrar, queremos que as pessoas conheçam nossa cultura — contou Zeliha que adiciona os grãos já cozidos a uma panela com água em fogo médio.
Depois de adicionados, maçãs picadas, aromáticas cascas de laranja, uvas passas e damascos entram na receita que por último levam uma boa quantidade de açúcar para dar corpo ao doce. Com as quantidades medidas no olho e depois de muito mexer, eis a Ashira, ou Pudim de Noé que será levado à Igreja São Pelegrino neste domingo em uma exibição de generosidade, integração e amor.